Vergonha, modos de usar

O desfecho da comissão parlamentar de inquérito à CGD gerou um episódio que começa por ser inacreditável, e que acabará por ser carimbado como burlesco ou trágico. Inacreditável porque não se acredita que o PS fosse para a votação do relatório – ainda por cima, e antes de tudo, dadas as questões em causa e sua notoriedade – sem saber onde estavam os deputados envolvidos, suplente incluído. Burlesco se a causa tiver sido a incompetência do grupo parlamentar. Trágico se tivermos assistido a uma encenação dos socialistas para obterem exactamente este resultado, o chumbo do relatório. Para clarificar esta última hipótese teremos de esperar pela conclusão das investigações judiciais à Caixa, algo que pode demorar meses ou anos. Neste contexto, a notícia da saída de Alberto Martins do Parlamento pode ser um sinal de que algo profundamente errado aconteceu nesta história ou tratar-se somente de uma coincidência.

Factualmente, quais as informações novas geradas pela iniciativa parlamentar que colocou sob juramento os principais responsáveis pelo banco nos períodos investigados? Para o leitor e espectador interessado nos assuntos políticos, a resposta é nada, zero, nicles. PSD e CDS foram para a comissão cheios de suspeitas e essas suspeitas continuam intactas, na sua retórica, ou esvaziaram-se, de acordo com as declarações dos inquiridos. Resta a esperança de os colossais crimes estarem guardadinhos na papelada do banco à espera do olhar aquilino de um Ministério Público onde acabou a impunidade graças ao heroísmo e santidade de Joana d’Arc Vidal. Ou seja, se nos cingirmos às posições e declarações dos partidos, o inquérito serviu para reforçar a ideia de que a direita explora hipocritamente uma situação onde não tem qualquer prova para apresentar, limitando-se a mandar atoardas por ser essa a sua cultura política, um estado de decadência onde a calúnia aparece como a principal arma de arremesso.

Esta seria uma situação onde a imprensa poderia vir em nosso auxílio. Do que se trata é de tentar saber o seguinte:

– PS, PCP e BE encobriram ou adulteraram algum dado, ou dados, nos trabalhos da comissão?
– Alguma informação substantiva que indicie ilegalidades ficou registada nas declarações dos inquiridos? Se sim, qual ou quais? Se sim, em quê e porquê?
– A versão do PSD e CDS – a qual implica que não só Sócrates como também Teixeira dos Santos (na prática, todo um Executivo, ou dois) e vários dirigentes máximos da CGD cometeram inauditos e homéricos crimes de corrupção – merece algum crédito, sequer módico respeito?

Portugal é pequenino e a nossa imprensa é minúscula. Um dos primeiros a opinar foi o David Dinis – A honra do convento – e o que escreve deixa-nos um retrato de anomia, uma visão onde o jornalismo não passa de uma câmara baixíssima que serve apenas para destilar maus fígados. Se lermos o seu texto 10 vezes não conseguiremos extrair qualquer dado objectivo sobre o que realmente esteve e está em causa, seja na comissão de inquérito ou no seu acto final. Pelo contrário, o autor prolonga o discurso da direita, largado suspeições que não fundamenta para poder colocar todo o entusiasmo teclado na difamação. A frase “Salvou-se a comissão de uma vergonha” não quer dizer absolutamente nada para além do seu desejo de insinuar que estamos perante uma farsa gigantesca. Uma farsa que ele topa muito bem, claro, apenas não se dando o caso de ter tempo para nos explicar em que consiste e por que sortilégio ainda se mantém apesar deste bacano estar por dentro da cena e ter um jornal e não sei quantos canais de TV e rádio à disposição para expor a “vergonha”.

É que acabar com as vergonhas políticas que este tipo de jornalistas vão coleccionado pode não dar jeito nenhum, né? Se acabassem, falavam do quê?

6 thoughts on “Vergonha, modos de usar”

  1. sei lá , só sei que o tipo da caixa madrid ( uma caixa igual a cgd ) finou-se hoje com um tiro no pêto. remorsos ?

  2. Ó Valupi

    Olha lá mas é para o Marquês. Andas sempre atrasado.
    Então agora que a tal “ultima” carta rogatória está quase a chegar da Suíça … mesmo em cima das eleições autárquicas …
    Pois então não é que resolvemos enveredar por MAIS UMA linha de investigação ? pois agora é o TGV e saem já mais 2 arguidos para a mesa seguinte que é para o inquérito não prescrever …
    http://observador.pt/2017/07/19/operacao-marques-tem-mais-dois-arguidos/
    Agora SIM. Agora as manobras dilatórias da investigação atiraram com o barco contra as rochas e fizeram um enorme rombo no casco.
    E agora, AGORA, o manto de silêncio do Órgão de Comunicação Oficial do MP (e suas caixas de ressonância) cobre convenientemente toda a desgraça. Nem um PIO. Nem uma CAPA. Nada.

    PS: ouvi dizer que o Miguel Macedo está a ser julgado; alguém vê a CMTV à porta do tribunal ?

  3. Quanto ao inquérito á Caixa e a esta votação …
    … cheira a PODRE ! é um fedor que cheira a quilómetros !

  4. É, o Dinis, também tem brancas no cérebro e daí falta de inteligência e capacidade para avaliar o que pensam os portugueses acerca da sua pàfiosa utilização do método pavloviano. Já se dão ao luxo de julgarem que somos todos cães amestrados a quem basta dar o sinal estimulante para pensarmos o que ele quer que pensemos.
    Mas o Diniz é estúpido pois já se enganou quando feito oportunista, à pressa e a quente, foi escrever os “Entroikados” para arrasar Sócrates enquanto ao mesmo tempo fazia uns tostões. Ao escarrapachar no livro as palavras escritas e descritas pelo próprio PM acerca das suas tomadas de decisão e acção acabou por fazer o elogio preto no branco de quem queria enterrar vivo.
    O Diniz sente gozo em ter ideias muito próprias acerca dos acontecimentos mas como é falho de inteligência é fértil em bacoradas. Está convencido que amestrou os portugueses e que estes já não pensam senão segundo as suas peladas mentais. Então, aliás como faz toda a pàfiaria, pensa que basta numa frase insidiosa associar a palavra “Sócrates” ou “vergonha” ou “banca rota”, sem mais, para obter o efeito de criminilização que pretende.
    Mas a vida não é um momento, uma fotografia, um imóvel, pelo contrário está em permanente fluir (Heraclito há 2500 anos) e o pensamento das pessoas acompanha a mudança e, sobretudo, a visão e opinião acerca dos actos passados face ao presente é tão fluida que toma qualquer forma inesperada.
    Cada vez mais o povo desconfia deste falso formulário inventado para que uns carreguem as culpas dos verdadeiros autores delas. Cada vez mais o povo liga menos à sofística dos que vendem opinião como modo de ganha-pão.
    Cada vez mais os escrevinhadores contra a verdade a troco da gamela vão sendo percebidos acerca do seu interesseiro móbil e serão desprezados.

  5. Muito bom, Valupi. Em mais um post brilhante gostei especialmente do cuidado com que escreveste o nome de um dos ausentes: João Galamba. Burlesco mesmo, como diria o outro.

  6. A CGD teve uma gestão excepcional e exemplar a todos os títulos.
    Foi por isso mesmo que se transformou numa merda .

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