Serradura

Na última edição da Quadratura do Círculo, o TAC semanal ao Estado de direito mantém o diagnóstico: metástases folgazonas. Aquele bando dos quatro imagina-se num senado, falam com o à-vontade de quem não está a decidir seja o que for. Conhecem de ginjeira os mecanismos do poder, e exibem com vaidade pacóvia esse estatuto, mas estão resignados perante a impotência inerente à sua sobrevivência como políticos e jornalista mansos. Embora cada um deles tenha percurso e méritos distintos, todos se igualam por terem capitulado cinicamente. Bem cedo nas suas carreiras, passaram a fingir, ou a acreditar, não haver mal na troca do ideal pelo conforto, da coragem pela segurança, da comunidade pela família e amigos. Exagero? Vejamos.


Pacheco Pereira voltou a contar segredos escabrosos em registo Eu topo tudo, mas sou um santinho, desta vez sobre a sua estadia no Parlamento e a elaboração das leis de amnistia. Revelou que se convenceu da existência de corrupção na própria formulação da lei, ao nível dos detalhes (assim exibindo notável perspicácia, pois é sabido como é especialmente difícil detectar a corrupção em objectos tão pequenininhos, e propensos a trocarem as voltas aos observadores, como são os detalhes). Estas declarações suscitaram bocas e sorrisos complacentes. Só. Mas só fiquei eu, tendo a bizarra impressão de que Pacheco Pereira teria detectado irregularidades na formulação das leis de amnistia, as quais teriam favorecido em milhares e milhões de contos algumas entidades, e isto aquando do seu mandato de deputado na Assembleia da República Portuguesa. Quero lembrar que os deputados gozam de imunidade parlamentar, têm acesso aos meios de comunicação social a qualquer hora, dispõem de variados mecanismos de protecção e acesso a informação qualificada. Ora, ninguém se lembra de ter visto o prolixo Pacheco a denunciar casos nesse tempo, nem em qualquer outro tempo. O que esta figura faz é, no máximo, insinuações. Foi assim em relação ao Porto, no ano passado, afirmando haver uma qualquer situação – que não chegou a ser detalhada, lá está – de múltiplas e gravíssimas ilegalidades, e não voltou a tocar no caso. Entretanto, a pergunta fatal: será só em relação ao Porto que Pacheco Pereira admite ter informações factuais, testemunhos ou suspeitas de alta corrupção? Pois.

Ainda pior, se possível for, veio com as suas declarações quanto aos Açores e Madeira. Disse que na Madeira há obra, e que o problema de Jardim era relativo ao seu estilo truculento. Enquanto nos Açores não haveria obra, nem se falaria do défice democrático açoriano. Eis a tese: o estilo truculento de Jardim chama a atenção para certas irregularidades democráticas, com isso fazendo esquecer a obra; o estilo suave de César faz esquecer as irregularidades democráticas e a falta de obra. Há vários aspectos escabrosos implícitos nestas declarações, a saber: (i) a que factos se reportam as denúncias relativas ao défice democrático nos Açores?; (ii) quem está a impedir o conhecimento dos mesmos?; (iii) a partir de que critérios é possível comparar a obra na Madeira e nos Açores, tendo em conta a geografia, economia e história das regiões? Pacheco não se deu ao trabalho de esclarecer.

António Costa assinalou que o problema da Madeira não reside na idiossincrasia de Jardim, mas na conivência, e protecção, do PSD. Isto é óbvio, e não há nenhum chefe do PSD que possa fugir a essa responsabilidade. Todos os que se têm rebaixado são cúmplices directos de Jardim – grupo onde se inclui, a vários e chocantes níveis, o actual Presidente da República. Já Lobo Xavier deu testemunho pessoal, contando que na Madeira existem perseguições que afectam a própria expressão política da oposição. As represálias a indivíduos e empresas serão frequentes e ficam impunes. Estas declarações de Lobo Xavier são as mais importantes que fez em todos estes anos que leva de cu sentado na Quadratura, mas obrigam à seguinte pergunta: Xavier, para ti a Madeira não faz parte de Portugal? É que se faz, há qualquer coisa que não bate certo entre isto tudo que as pessoas relatam há tantos anos e aquilo que era suposto as autoridades públicas e políticas fazerem. Não achas, ó jurista, político e cidadão com projecção mediática?

Para terminar com detalhes, atente-se no modo como António Costa respondeu a Carlos Andrade quando este sugeriu identificar-se o autor da passagem que deu origem à polémica do financiamento dos partidos. Costa exaltou-se, agrediu o jornalista e saiu-se com esta imbecilidade: são muitos a fazerem o texto do orçamento, para aí uns quatrocentos, não dá para saber. Curiosamente, Lobo Xavier veio em seu auxílio, maternal. E Andrade comeu e calou. Nem sequer o Pacheco tugiu. Mas poderiam ter sido 6 mil milhões de pessoas a participar na elaboração do Orçamento que, à mesma, cada passo dele continuaria a ter uma autoria. Se o que está em causa é proteger um nome que terá direito ao seu momento de infelicidade, pois que se assuma isso mesmo. Não se deixe é a ideia de o Estado de direito, quando servido pelo conúbio dos políticos com os juristas, poder ser um mero detalhe numa outra coisa muito maior. É que a democracia na Madeira pode estar cheia de caruncho, mas a serradura ainda não nos enche os cornos.

15 thoughts on “Serradura”

  1. Para o crânio do Pacheco, a primeira e mais importante prova de que há défice democrático nos Açores é o facto de o PS ter ganho, o que manifestamente é um abuso.

    A segunda prova é o PS ter ganho com 50% dos votos, o que indicia forte chapelada.

    A terceira prova é o PS ter deixado o PSD a uns 15 ou 20 pontos percentuais de distância, o que é uma grande falta de chá.

    A quarta prova é a abstençáo de 53%, o que para o Pacheco prova, em definitivo, que a maioria dos açorianos preferiria ter lá o Alberto João Jardim.

  2. O Pacheco desculpa o Jardim com a «truculência» do estilo, mas faz insinuações acerca do «défice democrático» nos Açores. Isso define perfeitamente um marmanjo dum pseudo-intelectual sem escrúpulos. Não há mais nada a dizer.

    Quanto ao financiamento dos partidos com dinheiro vivo, fez-se muito barulho por pouca coisa. Houve uma chuva de insinuações e um coro de processos de intenção. O ministro mostrou-se de imediato disponível para aceitar propostas de alteração à proposta de lei, corrigindo o que foi, de facto, uma gaffe.

    Nesta matéria, eu gostei mais da posição corajosa do Rui Rio, quando bateu o pé ao Meneses sobre a mesma questão, no seio do PSD.

  3. eu ainda tenho a esperança de te ver a ti, ou outros como tu (passe a expressão porque não há) nesses programas um dia. A não ser que não queiras, o que é bem provável, mas isso já é opção tua. Eu não, chega-me mandar aqui uns bitaites.

    atão nik a praia está boa?

  4. Este comentário não podia estar mais fora de sítio (ou talvez não), mas a preguiça de um domingo passado ao volante, e não, não foi por leviano entusiasmo com a ligeira baixa do preço da 95, impendem-me de uma procura mais cuidadosa por um post mais contextualizado, por isso, aceitem lá isto sem grande algazarra.

    http://www.youtube.com/watch?v=Qq8Uc5BFogE

    O homem devia ganhar as eleições e o festival de publicidade de Cannes (por esta ordem).

    Wassup.

  5. esse Wassup tá bom

    oh cabrão de tricheur queres que eu te faça cair o céu na tola pá? Não está mesmo à vista que é descer as taxas de juro? É 3% mas já sei que vais fazer 3,25% para chatear

    agora coloco-me um problema metafísico: quem é que demite este homem?

  6. Este publicitário Valupi é mesmo um exagerado…

    Democracia deve ser coisa que te faz muita comichão no cotovelo. E depois, quanto ao bando dos quatro, antes de julgares os outros, olha para ti mesmo.

  7. Nik, é isso mesmo: o Pacheco tem-se revelado um pseudo-intelectual; logo, sem escrúpulos.
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    Z, as tuas preces irão ser ouvidas, ao que tudo indica. Vem aí nova descida.
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    shark, se tresanda. Há muita merda debaixo do tapete.
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    joao, todos os comentários estão no sítio certo, sempre. Aqui vigora um regime de democracia absolutista. Power to the people.
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    adelaide, já olhei para mim mesmo. E não desgosto.

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