Roma, Bizâncio e Atenas

A comissão de inquérito ao negócio PT/TVI tem duas questões na agenda: a relação do Governo com a legalidade e a relação do Primeiro-Ministro com José Sócrates. Qual delas a mais inútil e perversa.

Quanto à primeira, já tudo foi explicado na Comissão de Ética. A PT queria fazer o negócio por razões estratégicas legítimas face ao mercado, as quais eram do domínio público há meses ou anos. Também se disse não haver interesse no controlo editorial da TVI com a entrada na Media Capital. A PT chegou ao ponto de tentar garantir Moniz nesse novo cenário, o próprio confirmou. Para além disso, o Governo não tinha de ser tido nem achado na matéria, fosse por que razão fosse, e para mais quando o negócio ainda não estava garantido e nenhum acto formal tinha acontecido que implicasse transmissão de informações ao Governo ou anúncio público. Isto significa que o negócio nunca existiu, posto que não se concretizou, e ainda que foi abortado por pressão política da oposição e do Presidente da República. Na ausência de novos factos que o contradigam, não existe ilegalidade alguma na situação. Mais: não se concebe como poderia existir, posto que uma situação onde a PT estivesse no capital da TVI levaria a uma completa blindagem protectora para o infotainment persecutório de Moura Guedes. Acabar com o Jornal de Sexta depois da PT entrar seria politicamente ruinoso para o PS, como até um calhau percebe. Mas acabar com ele antes da PT entrar, também!

Resta a questão da suposta mentira de Sócrates no Parlamento. Acontece que a maioria das pessoas, e logo desde o episódio, aceita tranquilamente a possibilidade de Sócrates ter mentido. A tranquilidade vem da convicção a respeito do Primeiro-Ministro, o qual disse a verdade até prova em contrário. Esta duplicidade, já sujeita a acto eleitoral e meses de assassinato de carácter, não é contraditória – é complementar. De facto, e ao arrepio do que disse o pantomineiro Marcelo, é necessária essa diferença entre o governante e o cidadão. Enquanto governante, Sócrates tem de respeitar um compromisso que o obriga como funcionário público e representante político. E essa sua dimensão está sob permanente escrutínio das autoridades e da comunidade, a exposição é total. Enquanto cidadão, a esfera da sua privacidade deve permanecer inviolável e indomável.

Imaginemos, pois, que alguém avisou o cidadão Sócrates da possibilidade do negócio. Ou mesmo do seu andamento. Nessa hipótese, e neste abstracto, a transmissão da informação poderia não ter qualquer relevo ilícito ou consequência politicamente relevante. O negócio continuaria a ser o mesmo, com ou sem o conhecimento dele por Sócrates, o cidadão. Imaginemos ainda que ninguém lhe tinha contado fosse o que fosse, mas que a informação lhe teria chegado por acaso; ouvindo uma conversa na mesa ao lado, por exemplo. Se, nesta possibilidade, decidisse assumir no Parlamento que sabia do negócio e explicasse como tinha ficado a saber, não só ninguém iria acreditar nele como ainda ficaria coberto de ridículo. Eis o paradoxo da verdade quando se confunde Estado com estado, responsabilidade com respostas. Já o Primeiro-Ministro Sócrates, tomando conhecimento oficial ou público, tem de assumir uma qualquer posição – e ela tem invariavelmente consequências políticas, pelo menos. Isto é simples. Então, para quê o inquérito parlamentar? Para boicotar a governação, mais nada.

Roma mandaria para as galés os deputados do BE e do PSD que quiseram voltar a ouvir os responsáveis da PT. Mas Bizâncio daria guarida no palácio do Imperador a esse grupo de sábios que pretende discutir o conteúdo neuronal de um primeiro-ministro. Entretanto, Atenas continua igual a si própria, os cidadãos encontram-se na praça e celebram em algazarra o seu destino de liberdade.

15 thoughts on “Roma, Bizâncio e Atenas”

  1. aquilo que aconteceu, tal como disse o bava, foi que um negócios legítimo fracassou devido à espionagem industrial. quanto ao resto, comissão de inquérito, é política rasteira do pacto germano-soviético.

  2. Até me dói ler-te, Val, pelas carradas de razão do teu comentário. Parece que anda tudo louco na oposição. Eu e muitos!, muitos! esperavamos que pelo menos o recem-chegado à política, o BE, trouxesse um pouco de ar fresco. Que desengano! Em demasiado pouco tempo assimilou tudo o que a política baixa tem de mais baixo, a começar pela demagogia. Parece que o Louçã foi o melhor no Liceu…Está a ser o melhor aluno da política trambiqueira. Do PCP já se sabia do que a casa gasta. O PSD embrenhou-se nos negócios e entregou o partido a uns lideres faz-de-conta. Como não sabem fazer oposição, aliás como não sabem fazer mais nada, só pensam em destruir, destruir, a começar pelo caracter dos lideres do PS. Como anotava Lacão, fizeram-no com Gueterres, com Ferro e agora de uma forma inimaginável com Sócrates. Porque os “grandes” do PSD ficaram entretidos com os seus negócios…O BPN foi o euromilhões de quem? E nós pagamos o premio com lingua de palmo e meio. F.s da P.

  3. Bom dia Val,
    Mais claro é difícil.
    Mas o BE e o PSD apenas querem manter o ataque a Sócrates na base do pessoal e na esperança que o desgaste consiga o que não conseguiram por via eleitoral.
    Bom fim de semana

  4. Como diz “António P.”: Mais claro é difícil.
    Tanto assunto a ser necessário esclarecer e dar solução, tanta coisa que é necessário enfrentar com ousadia e andam estes pantomineiros a fazer “fitas”. Como é que depois de se ter ouvido o que se ouviu na tal Comissão de Ética, com personalidades das mais diversas tendências a caracterizarem o possível negócio como uma decorrência do Mercado e venha esta santa-aliança (ou demoníaca-aliança?) querer “entreter-nos” com isto? Já começa a cansar ouvir, ver e ler tanta hipocrisia. Estou como o Primeiro-Ministro disse: a grande prova que eu tenho é de quinze em quinze dias no sítio certo… Aí é que se derimem as batalhas, mas como “eles” as perdem sempre, querem ter a possibilidade de “ser polícias” por dois meses. É deixarem-nos ser Sherlock Holmes…SÓ QUE QUEM PAGA OS FILMES SOMOS NÓS TODOS!

  5. Concordo plenamente.

    Não tenho qualquer tipo de sentimentos pelos Partidos ultra-conservadores, o P. S. D. e o P. C. P., porque o seu Portugal é cada vez menos o meu (o que é bastante grave). Mas não posso deixar de lamentar, desgostosamente, o rumo tomado pelo B. E., que também eu julgava ser uma fonte de Esperança e de renovação política à Esquerda. Desastradamente, ineptamente, infantilmente, desbaratou já todo esse capital, muito antes ainda de ter tido tempo para cativar crentes ferrenhos ao nível de crendice beata a que chegaram os comunistas, por isso prevejo que, ao contrário do que seria natural, ainda venham a estiolar primeiro do que estes, tornando-se assim no contraponto canhoto do defunto P. R. D. (no qual, aliás, também depositei não poucas esperanças…). Já quase só falta mesmo, para seguirem o seu fantástico exemplo político, apresentarem a MOÇÃO DE CENSURA “FATAL” para José Sócrates! De que estão à espera? Força, seus pretores justiceiros, ou será que não os têm bem no sítio?

  6. O vazio de ideias conduz a esta forma de fazer politica que a sofrível classe empresarial sustenta.

  7. O B E, realmente desbaratou miseravelmente com a sua desatrada actuação, a credibilidade e espectativas da maioria daqueles que nele confiaram, que não se revêm neste estilo de fazer política.
    As sondadagens já o confirmam e quando chegar à hora da verdade ficará reduzido à sua real dimensão.

  8. Também esperava mais do Be, mas o que de facto move a coisa, é saber da relação de Sócrates com a verdade, só a verdade e nada mais que a verdade.

  9. Mas o BE desde o inicio que não esconde a sua vocação.

    No fundo são um bando de arregimentados que se posicionam CONTRA, o que seja.

  10. E eu a pensar que votar no BE era reforçar um partido que poderia fazer a diferença, criando a possibilidade de uma maioria, à esquerda, que forçaria o PS a regressar às suas origens ideológicas. Estive tentado a votar nesse partido, até ouvir Louça afirmar que, EM CASO ALGUM, entraria num governo com o PS. Aí, interroguei-me: para que serviria então o meu voto nesse partido.? Para el continuarem a ser, sòmente uma voz de protesto, sem qualquer outra utilidade numa solução, à esquerda, para governar este País? No último momento, praticamente na hora de votar, decidi que não mereciam o meu voto. Abençoada hora; hoje, face à actuação daquela corja de pequeno burgueses deslumbrados com o crescimento que tiveram, e atascados no lodaçal das suas alianças tácticas, Á DIREITA, acho que tomei a atitude correcta. Em futuras eleições tenho a certeza que muitas outras pessoas pensarão igualmente assim.

  11. Fechem mas é os computadores, a bem da liberdade individual.
    …mas fechem com cuidado, já que os PC são públicos.

    PC = Personal Computer, nada de confusões.

  12. Fiquei de lágrima no canto do olho, após ler a declaração de José.
    Este homem que negou o seu voto ao Demo, digo ao BE, porque este se negou a entrar “EM CASO ALGUM” num governo com o PS.
    E logo José, que queria reforçar um partido (o BE) que poderia fazer regressar o PS às origens ideológicas, seja lá o que isso for.
    Mas alto e pára o baile, que eu vou interrogar-me. Pensou e disse o José!
    Não! Não darei o meu precioso voto a quem quer ser apenas uma voz de protesto!
    (Muito bem José, digo eu)
    E vai daí, e após abençoar a hora, José corre a votar.
    Em quem? Aqui as crónicas são omissas.
    Para a história fica apenas que José não votará nunca “naquela corja de pequeno burgueses deslumbrados com o crescimento que tiveram, e atascados no lodaçal das suas alianças burgueses deslumbrados com o crescimento que tiveram, e atascados no lodaçal das suas alianças tácticas, Á DIREITA, acho que tomei a atitude correcta.”
    …ah! Poderemos concluir que José terá votado nos GRANDES burgueses À ESQUERDA e que espera que “Em futuras eleições tenho a certeza que muitas outras pessoas pensarão igualmente assim.”
    É assim mesmo, José!
    Portugal só teria a ganhar se houvesse mais “josés”, que meditam profundamente antes de votar.
    Abençoada a hora. Ámen!

  13. A mim o BE não me desilude nada, pela simples razão de que nunca me iludiu. Posso ser lerda, que posso, mas não entendo como se iludiram. Mais do que uma percentagem de votos suficiente para colocar dois ou três deputados na AR que lhes permita fazerem o seu papel de contra, já é uma multidão incontrolável. Já é desperdício.

    :))

  14. Estou com o Mário: “Até me doi ler-te, Val, pelas carradas de razão do teu comentário”. De facto, parece dificil reflectir com mais lógica sobre um tema que transpira irracionalidade e baixeza moral e política, por todos os poros. Tudo isto doi e revolta para além do imaginável.

    Em que país estamos a viver quando um “prestigiado professor” de direito, decide estar-se perante uma questão do outro mundo que até justifica que invertamos o “ónus da prova” regressando aos tempos do Santo Ofício:”Quem tem que demonstrar que não sabia é José Sócrates!”. Daria vontade de rir se não fosse patético, desonesto, miserável. Bem sei que são adjectivos em demasia mas ainda que gastasse todos os do meu léxico ficaria aquém dos que gostaria de usar numa situação como esta.

    Tenho ouvido e lido com muita frequência o comentário de que “está tudo doido”. Concordo com a expresssão apenas no sentido em que a loucura se caracteriza muitas vezes pela existência de uma ideia fixa e obssessiva. A ideia fixa sabemos bem qual é!

    Na linha do que vejo em muitos dos comentários, o que mais me revolta, enquanto alguém cujo coração sempre pendeu para a esquerda, é o papel, abaixo de qualquer comentário, que nesta questão e não só, tem assumido o BE e o PCP.

    Uma última observação. Se, por um lado, gostaria muito de ver Sócrates enfrentar pessoalmente os miseráveis inquisidores da tal “Comissão de Inquérito”, por outro, acho que não deve rebaixar-se a enfrentar uma tal “palhaçada”.

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