Marques Mendes tem exemplos para dar e vender

Como não existe imprensa em Portugal, Marques Mendes nunca terá de justificar o que escreveu aqui. Contudo, o currículo e protagonismo deste paradigma ambulante do modus faciendi como o PSD reduz a política ao moralismo merecia uns minutos de serviço público. Bastaria que algum jornalista, mesmo que estagiário daqueles sem remuneração, lhe pedisse a sua pessoal definição do que é a deontologia jornalística, do que é a moral pública, do que é a ética privada e em que consistirá, afinal, um Estado de direito. Só depois poderíamos voltar ao texto para aferir da sua honestidade intelectual – ou seja, da sua completa ausência de honestidade, intelectual ou outra, pois estamos perante mais uma pulhice.

Marques Mendes diz que as escutas foram divulgadas mas em momento algum se questiona a respeito da legalidade da sua divulgação, anterior conservação, anterior transcrição e anterior captação. Quer isso dizer que ele está na posse das razões judiciais que tornam lícito todo este longo e complexo processo, concordando com o argumentário e consequente violação da privacidade de um concidadão? Ou não quererá saber disso para nada, aproveitando o facto consumado para o explorar no seu interesse, qual ávido receptador que nem precisa de se esconder? Obviamente, na ausência da primeira, trata-se da segunda hipótese.

Marques Mendes diz que as escutas vêm dar-lhe razão porque, finalmente e graças ao Correio da Manhã, estamos agora na posse de detalhes inqualificáveis sobre o caso. Vamos esquecer a parte em que os detalhes inqualificáveis ficam literalmente sem qualificação por nem sequer aparecerem identificados, não sendo possível saber do que se fala. O autor está a ordenar-nos para acreditarmos na sua condenação, sem precisar de provar seja o que for. Muito bem, sigamos para bingo. Se as escutas validam as suas suspeitas passadas, premiando a sua perspicácia e coragem auto-elogiadas, então as escutas são benéficas para o exercício da política. São elas que permitem acabar com todas as dúvidas a respeito daqueles que arrastam indícios, sinais, vestígios de algum mal. No caso em apreço, as escutas correspondem a um julgamento sumário e inapelável: eis a documentação do que é um mau exemplo para a sociedade, tal como tinha sido antecipado pela gente séria, a gente dos bons exemplos.

Marques Mendes, portanto, se for coerente com esta lógica passará a promover a captação de escutas nos casos que entrem dentro da utilitária categoria Trapalhada, Contradição e Falta de Transparência. Tendo em conta que o enquadramento legal e constitucional da sua captação e divulgação é para ele irrelevante, e que os materiais obtidos nem precisam de ser explicitados ou defendidos pois basta a sua publicação para se obterem os efeitos pretendidos, temos aqui o paladino de uma próspera indústria de espionagem política para fins de higiene e decoro, a profilaxia e terapêutica das doenças que contaminam a sociedade.

No julgamento de Sócrates, não o de Paris mas o de Atenas, igualmente as acusações o denunciavam como um mau exemplo para os jovens e para o modo de vida da gente séria. Nem mais, nem menos. Anito, um dos três acusadores e aquele que ficou como o principal instigador do processo, tinha razões pessoais e políticas para querer a morte desse agente infeccioso que o desafiava com a sua liberdade. Tendo ele próprio um público historial de trapalhadas, contradições e faltas de transparência, foi o seu espírito que guiou a mão de Marques Mendes ao selar a filha-de-putice com este hino à suprema hipocrisia:

Cumpre-nos contribuir para os reintroduzir na vida colectiva obrigando, desde logo, a construir uma cultura do exemplo. O bom exemplo tem mais força do que as melhores leis que se aprovam e do que os discursos mais brilhantes que se fazem. Ao contrário, os maus exemplos envenenam a sociedade, contaminam a política e ameaçam a democracia. Afinal, a política não pode ser a arte do vale-tudo e palco de actuação de gente mesquinha e sem escrúpulos.

2 thoughts on “Marques Mendes tem exemplos para dar e vender”

  1. Afinal, a política não pode ser a arte do vale-tudo e palco de actuação de gente pequenina e sem escrúpulos. Por isso, retiro-me da esfera pública. Assim ficava melhor e bem mais higiénico.

  2. Só falo de escutas ilegais quando puder ouvir todas as conversas privadas que permitam confirmar as minhas suspeições. A listagem é a seguinte:

    – CONVERSAS TELEFÓNICAS ENTRE PASSOS COELHO E JOSÉ SÓCRATES EM 2011

    – CONVERSAS DE TELE-MÓVEL ENTRE CAVACO E MANUELA FERREIRA LEITE EM 2009

    – CONVERSAS DE BASTIDORES ENTRE CAVACO E FERNANDO LIMA EM 2009

    – CONVERSAS ÍNTIMAS DE CAVACO E MARIA DESDE 2002

    – CONVERSAS DE QUALQUER TIPO ENTRE DIAS LOUREIRO E DIRIGENTES DO PSD, INCLUINDO O CHEFE MÁXIMO CAVACO, DESDE 1985

    – E-MAILS ENTRE FERNANDO LIMA E A REDAÇÃO DO PÚBLICO

    – CONVERSAS DE CAMA DE TODOS OS EX-MINISTROS DESDE 1979 E TODOS OS BANQUEIROS DESDE, PELO MENOS, 1976.

    Acho que não me esqueci de nada importante…

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