Jangada de fogo

Este artigo do DN – Clima do futuro pode trazer até mais 50 dias de calor extremo – contém informação relevante para compreender o fenómeno dos incêndios florestais em Portugal. No entanto, a sua mensagem é vaga e omissa nalgumas informações objectivas – nomeadamente, que a correlação entre as alterações climáticas e o aumento dos incêndios florestais na Península Ibérica está demonstrado para o período de 1981 a 2005, e que nos últimos 30 anos a média do aumento das temperaturas máximas na Europa foi de 0.95°C e na Península Ibérica de 2.5 °C, por exemplo. Ligada com as alterações climáticas em curso, igualmente se prevê a chegada de doenças tropicais transportadas por mosquitos. Conclusão: a Península Ibérica vai arder, pelo fogo e pela febre.

Ocasião para um projecto colectivo que unisse os dois Estados ibéricos na criação de um centro de investigação com recursos suficientes para ser uma referência mundial no campo das alterações climáticas e suas consequências. Para além do óbvio interesse na protecção de pessoas e bens, os resultados da investigação e respectiva inovação muito provavelmente gerariam ganhos económicos com escala global. Espanha e Portugal podem legitimamente ambicionar serem exportadores de tecnologias nascidas de um investimento científico comum, não carece de explicar porquê. Para facilitar a empreitada, caso os EUA resolvam mesmo sair do Acordo de Paris tal deixará alguns dos melhores cientistas e engenheiros americanos, ou a trabalhar nos EUA, disponíveis para mudarem de poiso. Seria algo para agradecermos penhorados ao bronco do Trump, pese a desgraça subjacente à decisão de afastar a América da vanguarda dos estudos climatológicos.

A necessidade de lidar com transformações na ecologia do Planeta traz riscos de uma complexidade que a Humanidade não enfrentou antes – embora tenha enfrentado piores – pois o erro é inerente à condição humana (tal como vemos nos outros e em nós, sempre, sempre e sempre). Porém, esta obrigação de enfrentar as mudanças que não conhecem fronteiras, nem sabemos o que poderão causar nos ciclos produtivos da alimentação e no campo da saúde, leva a introduzir na política e na sociedade uma parte essencial da cultura científica. A procura da objectividade, o respeito pelo método, a recusa da verdade e a lógica mais rigorosa como trampolim para a imaginação mais criativa, eis quatro pilares ausentes de um exercício político que tem sido marcado pelas culturas tribunícia, trazida pelos advogados, e planificadora, trazida pelos engenheiros. Se os geógrafos, biólogos, geólogos, químicos, físicos e matemáticos, entre tantos outros saberes representantes e praticantes da ciência, forem para a ágora falar da nossa sobrevivência e bem-estar, a democracia ficaria um bom bocado mais perto de chegar ao estado adulto.

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Fontes:

Areas burnt by fires will triple in the Iberian Peninsula by 2075

Accelerating rate of temperature rise in the Pyrenees

15 thoughts on “Jangada de fogo”

  1. «…nos últimos 30 anos a média do aumento das temperaturas máximas na Europa foi de 0.95°C e na Península Ibérica de 2.5 °C, …»

    Valupi, qual a tua fonte para esta informação ?

  2. «…a correlação entre as alterações climáticas e o aumento dos incêndios florestais na Península Ibérica está demonstrado para o período de 1981 a 2005…»

    Bem, essa correlação tb se demonstra para os dias com predominância de vento leste, para as alterações ao uso do solo, para o abandono da agricultura de montanha, para o abandono das práticas de “fogos frios”…..etc, etc, sem que nenhuma das citadas correlações esgote o nexo de causalidade, i.é, sem que explique por si só por que arde mais !

    Outro detalhe que merecia mais atenção é o seguinte: mais ignições não significa necessariamente mais área ardida.

  3. JRodrigues, colocadas as fontes.

    Quanto às tuas dúvidas, é fazeres como se faz na ciência: traz dados fiáveis e faz as correlações possíveis e adequadas. A causalidade, no fundo, é sempre uma interpretação.

  4. acho que o ideal é começar a dar acções de formação aos putos sobre como se vive no deserto do sahara. comprar uns camelos e tal , também é boa ideia.

  5. é uma sugestão muito quente – uma revolução na I&D e uma oportunidade de recuperarmos tb muito do capital humano outora exportado.

  6. Valupi, obrigado pelas fontes.

    «In the past three decades, temperatures have risen by 2.5 °C in Spain, surpassing the European average of 0.95°C. » , é o que leio na fonte. Como é que traduzes isto por média das maximas na Peninsula Ibérica ?!

  7. quer dizer :

    1. as energias verdes patati patata , políticas de combate ao aquecimento global e xiribititi , já dão de barato então que não servem para nada…. ( a Terra anda alterada pq lhe apetece , não é ? talvez zangada com o lixo e as dentadas que 7 biliões de alminhas lhe dão ? e que não vão parar a não ser que apareça um eco warrior tipo genghis e estrume os campos com sangue , digo eu )

    2- tanto drone , tanto robot , tanta camara de vigilância … quê , a mafia do fogo não deixa a tecnologia por-se ao serviço da floresta ?

  8. JRodrigues, o artigo faz alusão ao aumento das máximas e das mínimas. Nesse caso que citei, são as máximas. Emboa o texto possa não estar claro numa primeira leitura, é esse o contexto da referência, como as restantes informações mostram:

    “In terms of minimum temperature, a smaller rise was observed (0.23 °C per decade) from 1970 to 2013”

  9. Valupi, a citação que referes é retirada directamente do corpo do estudo para o qual o artigo remete, e no estudo não encontro qualquer menção a aumentos das “médias das maximas”.

    Ainda assim importa referir que um aumento das médias das maximas não implica directamente com o fio condutor do teu texto e menos ainda com o artigo do DN que citas. Ou seja, podes ter aumentos significativos da medias das maximas sem que haja verões mais quentes, bastando para isso que haja invernos menos frios , certo ?

  10. JRodrigues, estás a omitir os dados. As temperaturas médias estão mais altas desde os anos 70 (aliás, há estudos que remetem para o século XIX o início desse processo), tanto as máximas como as mínimas. E, para o que importa nesta temática dos incêndios florestais, temos mais dias de calor extremo e temos primaveras mais quentes e a começar mais cedo. Foi nos anos 90 que a problemática do “aquecimento global” entrou na atenção do público, depois transformada, com mais rigor científico”, em “alterações climáticas”.

    Quanto a dizeres que se pode ter aumentos das médias das máximas só pelos invernos ficarem menos frios, tal parece-me um erro de formulação. O que tal explicaria, por hipótese, seria o aumento da média geral, incluindo mínimas e máximas. Outra ponderação é a de encontrar a média das máximas pois tal remete apenas para o factor que está directamente associado com o perigo de incêndios florestais. Ora, em toda a parte do mundo onde se faz a prevenção de incêndios, os alertas são disparados por relação directa com o aumento das temperaturas e seus limiares de risco.

  11. Valupi,

    A primeira parte do teu comentário teoriza bastante mas passa ao lado do tópico que motivou o meu primeiro comentário, a saber, que desenvolveste o teu raciocínio inicial com base em fontes que não o corroboram, i.é, os estudos mencionados não se referem a médias das máximas na península Ibérica.

    A segunda parte do teu comentário esquece que podes ter médias de mínimas, de médias, e de máximas. Qualquer delas pode aumentar ( ou diminuir ) sem que se alterem os valores extremos.

    Por ultimo, e quanto à correlação entre fogos florestais e temperaturas elevadas, pois sim senhor, ela existe, mas quando associada com outros factores, nomeadamente humidades relativas muito baixas, ventos fortes e abundância de combustível. Aliás, nos meios da protecção civil fala-se na “regra dos três trintas”, i.é, temperaturas superiores a 30 ºC, ventos a mais de 30 Km/h e humidade relativa inferior a 30 %.

    Em resumo: tentas “colar” a teoria do AGW a uma maior incidência de fogos, mas descurando as alterações do contexto. Condições climatéricas propicias a fogos florestais sempre existiram nos Verões mediterrânicos.Se no passado ardia menos, era porque o combustível não existia ou estava lá, não porque o clima fosse significativamente diferente.

  12. JRodrigues, a fonte é o artigo a que ligo. O artigo original não está disponível para esclarecer a questão (se sabes onde, avisa). Donde, trata-se da interpretação do que temos na notícia sobre o artigo original.

    Podes ter razão, mas não é esse o entendimento que faço das diferentes informações que estão no resumo. Assim, e repetindo-me, foi a partir destas passagens que assumi tratar-se da média das máximas:

    “However this change is particularly marked in the most recent period (1970 to 2013), when maximum temperature rose by over half a degree per decade (0.57 °C per decade)”

    “In terms of minimum temperature, a smaller rise was observed (0.23 °C per decade) from 1970 to 2013”

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