Francisca, a Holandesa

Daí que ontem me tenha surpreendido a comoção com que vi Van Dunem, com quem nunca na vida falei, a avançar, de forma que me pareceu particularmente altiva (imperial, apetece dizer), para a declaração e a assinatura. Tive a noção de estar a assistir a um momento histórico - quase tão importante, à nossa dimensão, como o foi a eleição de Obama nos EUA. E creio que também Van Dunem o sentiu - assim interpretei a maneira como, de olhos levantados, recitou a frase ritual.


Fernanda Câncio – “Uma ministra para a história”

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Para além do interesse que o artigo tem no seu todo e por si mesmo, esta passagem despertou uma especial curiosidade em quem, como eu, ainda não tinha visto as imagens da tomada de posse quando a leu. O vídeo das assinaturas está aqui – XXI Governo toma posse: Costa promete “alternativa realista” – no segmento das 16h05, e já o vi e revi mais de 10 vezes. Posso confirmar que Van Dunem se levanta, anda, fala, assina, volta a andar e senta-se. Mas não vi o que a passagem citada sugere.

Tenho a certeza de que, no caso de não ter lido a descrição da Fernanda, iria sentir e pensar o mesmo em que consistiu a minha experiência. Vejo uma mulher que avança descontraída, profere o juramento solene com calma profissional e regressa à cadeira no seu passo quase gingão. Trata-se de uma bela mulher. Bela pela projecção de confiança e serenidade. Bela pela aparência exterior, com roupa branca a reforçar o efeito cromático da tez e dos cabelos. E bela à Obama, no sentido de cool. Ou seja, não me ocorreria ver na sua presença nessa ocasião um qualquer manifesto político por estar a ser o primeiro cidadão de fenótipo africano a ser nomeado ministro em Portugal. O que vejo é uma pessoa cuja imagem exterior é sedutora.

Estava às voltas com esta comparação de subjectividades quando li A minha amiga é negra, de Ferreira Fernandes. É um texto onde também se reclama para a pose e modos de Van Dunem no acto da tomada de posse uma manifestação política de contexto e significado racial – embora esse aspecto apareça apenas no início do texto e como um elemento retórico, estético, sendo desconstruído no parágrafo final. Entre princípio e fim, as palavras do nosso maior cronista vivo dão-nos a conhecer um pedaço da sua vida em Angola, o qual fica como testemunho imperdível. E deram-me matéria para sustentar a minha percepção de alguém que encontrara pela primeira vez numa ocasião solene: esta família Van Dunem fazia parte da aristocracia angolana. Ou seja, a mulher que eu vira a deslocar-se de um lado para o outro no Palácio da Ajuda não tinha só uma echarpe elegante e uma voz pausada. Tinha berço.

Na variedade de olhares dirigidos ao mesmo rosto e ao mesmo corpo, não partilho da sensibilidade emocional da Fernanda a respeito da ocasião, talvez por não ser mulher, mas estou com ela na consciência da importância histórica de se entregar tão alta responsabilidade a uma portuguesa com África na pele e a Holanda no sangue.

24 thoughts on “Francisca, a Holandesa”

  1. Alô, alô! Estamos em Portugal no século XXI!!… Não fora textos como o da Fernanda (e este) e a maior parte das pessoas nem iria dar conta especial ao facto da Sra. ser preta!… Só mesmo pessoas com alguma idade – a suficiente para terem ainda vivido um outro tempo que já passou… – dariam especial relevo a um momento mais do que banal. Estar permanentemente a agitar a bandeira da cor da pessoa é antes de mais ter racismo na cabeça, mesmo que ao contrário… Quando ao “holandesa”, aí já entramos no campo do surreal… Deixem lá a cor da senhora em paz e não se babem em cima dela. Essa deferência não ajuda nada. Que mania mais fileira esta de olhar sempre para a cor das pessoas!…

  2. se é imperial holandesa ou tremoço nacional tou-me cagando, desde que faça qualquer coisa para recuperar a credibilidade da justiça e acabar com esta bandalheira entre manhólas e magistrôncios, que já passa filmes dos interrogatórios.
    https://vid.me/MECO

  3. depois desta reportagem do manhólas, espero que a primeira medida oficial da ministra da justiça seja despedir a vidaleira.

  4. É tão ridículo e tão demagógico esta senhora Câncio falar da nomeação da ministra angolana, como de histérico tem este título bombástico “a Holandesa” de Valupi.

    Até inibe quem seja alvo de referências desta maneira (também podiam ter mencionado os secretários cegos ou ciganos)

    Então essa da Holandesa, é como aquela dos brasileiros que esqueciam o Oliveira quando o Kubitschek construiu Brasília.

    Lá que o Bonga se queixasse do racismo tuga porque não tinhamos nenhum ministro preto, perdoa~se, Eusébio ainda não tinha ido para o Panteão.

    Mas nesta altura do campeonato, quando até os Suecos já têm pontas direitas africanos, sinceramente, ouvir estas tiradas, é demais .

    Pior, só mesmo aquela psico-social colonial do “militar de pretinhio ao colo”.

    É por isso que o Sãotomense Almada Negreiros levou a vida a brincar connosco, “portugas” sem nos apercebermos o que ele queria dizer, e batíamos palmas.

    Maldo, podes dizer mais, não te intimides.

  5. Val, agradeço-te e vou ver onde conseguir o segmento das 16h05.
    Os Van Dunem são um clã em Angola, de facto: familiar e cosmopolita como diz sobre um irmão o Ferreira Fernandes, não um típico “sobado” africano mas com pinta de realeza à Kennedys (que até eram emigrantes irlandeses) que é esta a comparação que me surgiu há dias em conversa. Se calhar pode traçar-se uma linha e ver-se, isoladamente, a Francisca Van Dunem como uma personagem cool semelhante aos Obama (não andaremos longe da verdade, o nosso raciocínio é o mesmo). Os que eu apanho nas décadas de 1920/30 nas hemerotecas e alfarrábios fazem a sua vida em Luanda e eram presença habitual na secção Carteira (correspondência com Os Ecos da Sociedade, d’O Século) na cosmopolita A Província de Angola.

    Assino por baixo o que dizes sobre o Ferreira Fernandes,
    deveremos agradecer-lhe colocar em contexto as vidas de Manuel, Mateus, senhora Antónia, José, João e Francisca e acho que não me esqueço de ninguém.

  6. Mas então não tinha havido já um ministro negro nop governo da Pintasilgo? Ou será que eu sou daltonico?

  7. Retornado, uma coisa.

    Nós já nos encontrámos num post anterior, acho que por sucessivas aproximações se percebe hoje quem é a Francisca Van Dunem, e não basta mandar uns bitaites para o ar sobre a portugalidade, a mestiçagem ou o couro cabeludo do Almada Negreiros (este com paternidade alentejana, um moderno tal como o Luiz Montalvor que escreveu “higienicamente” sobre as artes primitivas mas que era de Cabo Verde) para articular um discurso contemporâneo sobre as Áfricas. Até porque não me parece que essa ligação esteja feita, existe um livrinho do falecido padre Antonio Ambrósio mas é pouco.

    É disso, da contemporaneidade, que o artigo do Ferreira Fernandes fala, é sobre isso o título do post do Valupi: cidadã de algures e de toda a parte com uma origem inusitada presume-se que flamenga em Angola. E, …?

  8. a Fernanda Câncio quando não sabe o que dizer, delira. e lá vai o Val, tão querido, aparar-lhe o caldo entornado dando pinceladas bonitas com interpretação à (dela) interpretação. gosto disso, mostra um carácter afectuoso. :-)

    mas até dava para um cartoon jeitoso: a Francisca com o Obama e ele a dar-lhe um toque com o pé em sussurro de ouvido: vês, ganhamos mais uma batalha: eu sou presidente preto e tu, além de preta és mulher. :-)

  9. Pois, ou a Holandesa mete aquela rebaldaria do Ministério Público na ordem ou está bem lixada com um efe grande. Ela e nós.
    As coisas atingiram tais proporções que só fechando a tasca (suspender todos de funções) fazendo uma limpeza com creolina (interrogatórios musculados a todos os artistas) e depois erguendo o edifício outra vez (reformar compulsivamente certos espécimens já que não podem ser despedidos, e nomear outra gente).
    Aproveitar para mandar tudo fazer estágios no estrangeiro (USA, UK, Suécia, etc…) para aprenderem a investigar antes de prender as pessoas.
    Quanto aos tipos do Correio Manholas não é preciso fazer nada. Basta que percam as “caixas” e terão o destino que merecem. A falência e o desemprego. Pô-los a cavar também não é mau.

  10. … existem novidades sobre o semanário Sol e o jornal I, pois a empresa Newshold do Álvaro Sobrinho meteu já enviou os cartões de Natal e em 2016 que seja o que Deus quiser. Despedimentos em barda, sobrarão algumas dezenas. Impressionantes também são os números de circulação diária, de memória: o I vende nas bancas menos de 4.000 exemplares (não é gaffe!!) e sessenta-60-sessenta assinaturas digitais. Sobre o Sol falam em 20 mil, parece-me fruta a mais para tamanha indigência.

    Se alguém puder linka, please, está no P. online nomeadamente.

  11. Pois é a falência do Sol e do Jornal i é o começo.
    Se a Ministra Holandesa meter ordem no Ministério Público a seguir fecha o Correio Manholas, por absoluta falta de conteúdo programático.

  12. Da sra Cancio não admira que escreva isso. Falar da cor da pele em Portugal , parece-me deslocado e trazer habitos ridiculos da cultura anglosaxonica, como por exemplo o halouwin.

  13. Pois eu cá por mim ví mais o que Fernanda viu que o que Valupi não vi .

    Quanto a juramentos de olhos levantados, apenas foi superada por João Soares, que, de olhos esbugalhados, mais parecia estar a prestar lealdade ao PR, que subordinação em relação ao PM, que ou me engano muito, vai vê-lo sair do governo na primeira chance, por motivos pessoais de … não lhe darem as verbas que julga necessário para subsidiar a cultura .

    Para quem não sabe, que são todos os leitores, sou apreciador de objectos de escrita e tomei atenção aos utensilios utilizados.

    Costa, que foi o primeiro, utilizou uma esferográfica Caran d’Ache, Santos Silva, o segundo, inaugurou a esferográfica Parker Jotter de serviço, a senhora que se seguiu, uma Caran D’Ache côr de rosa, e quando pensava eu que estaria dado o mote para uma legião de Caran d’Aches, erigida assim a esferografica de ” serviço ” do novo governo, eis que surgem os inevitáveis roller ball descartáveis, a maioria, Uni-ball modelos Vision e Micro . Para além destes, também a Parker de serviço teve muita utilização . Pelo meio, uma ou outra Cross .

    Curioso notar que, objectos de escrita mais ” vistosos “, apenas as canetas de tinta permanente utilizadas por secretários de Estado, primeiro uma senhora, depois o cavalheiro que imediatamente lhe seguiu, em ambos os casos, uma OMAS 360 .

    É curioso notar que nos States, quando o presidente assina em público e rodeado de muitas pessoas, costuma assinar utilizando uma bateria de canetas que em ocasião normal dariam para 7 ou 8 pessoas . Para o efeito, tem ao lado um estojo com uma série de canetas e para usar todas, preenche a assinatura com pequenos segmentos passando de imediato à caneta seguinte, de modo a utilizar o lote todo . No final, distribui as canetas pelos presentes . Bom para a indústria americana – os fornecedores normalmente são a Sheaffer’s e a Cross .
    E bom para os borlistas também.

    Já no acto de posse do governo anterior, o da Al-draba, o ministro da Assistência e Segurança Social, sacou de uma Montblanc 149 mas ela falhou, ele agitou, falhou de novo, teve que utilizar o objecto de recurso, a caneta de serviço geral que creio era um roller Waterman, já o ministro da Guerra – e Paz nos estaleiros – utilizou uma Montblanc especial, um modelo de edição limitada, concretamente uma Montblanc Hemingway, das mais cobiçadas pelos colecionadores . E caras também, no mercado do colecionismo, para além de difíceis de encontrar.
    Lí que tem uma colecção de Montblancs . Pensava que era um grande investimento, o incauto .

    Mas para que interessa isto ???

    Para introdução à parte que se segue, que é a substancial :

    Jasmim, se pensa que a ministra Van Dunem vai pôr o Ministério Público em ordem, pode tirar o cavalinho da chuva, aquilo é gente que tem por bússola norteadora, o corporativismo .
    E digo-lhe mais : se a violação do segredo de justiça não aumentar, vai ser uma sorte .

  14. Muito bem, Vicente, a pessoa indicada para te responder com estilo é exactamente o Valupi. De memória. e se ela não me falhar, existem interessantes teses de semiótica política sobre a utilização da esferográfica desde que uma modesta Bic terá sido utilizada utilizada pelo ministro Manuel Jacinto Nunes (?) em 1978.

    Idem, sobre as desaparecidas Filofax, ou sobre o contemporâneo Moleskine do Hemingway, etc.

  15. Oíche Shamhna (brit Halloween) festejava-se em todo o mundo céltico,
    Romanos e bárbaros, incapazes de suprimir as festividades (tal como sucedeu com Lá Bealtaine, brit Beltane),
    apropriaram-se delas.

    o Oíche Shamhna é uma tradição que foi “exportada” do Norte da Península Ibérica para o resto do que hoje se chama “as Sete Nações Célticas”…

  16. Olá RFC,

    A BIC é um sucesso comercial .
    Os primórdios da esferográfica foram conturbados, era muito cara e não confiável – entupia, borratava, derramava, as recargas metálicas eram recarregadas com tinta, o que geralmente era tarefa complicada e dada a tragédias no capítulo dos acidentes com derrames de tinta, e levou à falência da companhia americana WHAL-EVERSHARP, que gananciosamente lançou o produto – na altura, caro – com garantia pessoal .
    Elas deram problemas e os consumidores precipitaram-se a pedir os remboolsos das quantias dispendidas, em em alguns casos, indemnizações por danos .
    Na vizinha Espanha, era por vezes apresentada como a caneta atómica, alegadamente possuidora duma carga de tinta que não acabava nunca . As queixas de clientes irados em dias de calor forte com fatos brancos de bolsos manchados pelos frequentes derrames de tinta, eram frequentes .
    O cartucho de tinta só se tornou tecnicamente confiável após o barão Marcel Birch ter solicitado os serviços e anos de pesquiza de uma firma suíça de alta precisão .
    Resolvidos os problemas técnicos e estabelecida a firma BIC, rapidamente se impôs no mercado, nao só pelo preço mas tambem pela versatilidade .
    Duas esferográficas substituiam duas canetas tinteiro .
    Primeiro, foram lançadas em peças individuas de quatro cores diferentes .
    Depois um modelo que agrupava três cores diferentes numa única caneta .
    Quanto foram lançadas as BIC com cargas de quatro cores diferentes, o fim da caneta tinteiro estava ditado e os finais da década de cinquenta assistiram a um descalabro na falência e encerramento das fabricas .

    No dizer de HUMBERTO ECCO

    Intencionalmente nascida feia, tornou-se bela por ser prática, económica, resistente, e orgânica, a BIC Cristal é o único exemplo de socialismo tornado realidade . Ela cancela qualquer direito à propriedade e a qualquer distinção social .

  17. Grande frase do Umberto Eco [umˈbɛrto ˈɛːko, excerto da wiki-wiki: from the late ’50s till the late ’60s, before his semiotic turn (sublinhado), Eco engaged in studies on mass media and media culture], que não conhecia.

    Le Dossier de presse – Bic
    https://www.bicworld.com/…/dossierdepresse_60ans

    ou

    Download PDF – Bic
    https://www.bicworld.com/…/presskit_60yearsCristal

  18. 1 que deveria ser zero. O Marco António Costa acabou de dizer na AR que o António Costa dirige um “governo socialista e comunista”. A continuarem assim, seria melhor para os portugueses de lei que hoje choram pela PàF reverem os Malucos do Riso. Alguém conhece o António José Teixeira para o convencer, share, audiências, pilim a perder de vista e uns resultados magníficos da Impresa em 2016?

    2 que deveria ser um. Olinda, enquanto tento perceber a influência do tupperware no universo comunista durante a Guerra Fria deixo-te os fracos resultados que obtive de repente. Existiria, com outro nome? A wiki-wiki parece ser omissa. Tinham uma fixação no alumínio soviético como Mao na China, quem sabe?

    Earl Tupper – Wikipédia, a enciclopédia livre
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Earl_Tupper
    e
    https://en.wikipedia.org/wiki/Tupperware

    3 que deveria ser um e meio, Que fazia parte da ferramenta e do imaginário do povo comunista é evidente, pelo menos aqui nesta espécie de solstício em Setembro aqui no rectângulo, basta ler este artigo gigante do grande MEC (sem acentuação, se calhar são modernices)

    […]
    «Arrancou-me das mãos o tupperware que me tinha passado para a mão (e o meu, que ele tinha pegado cheio de salgados, atirou para o chão, espalhando croquetes e rissois pelo chão), chamando-me nomes (o menos ofensivo sendo “anarquista”, embora que no contexto só posso assumir como um elogio ao meu caracter então).»

    “a festa do avante”, miguel esteves cardoso. – Mar Revolto
    http://www.marevolto.blogs.sapo.pt/25823.html

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