Tendo assistido ao debate quinzenal no Parlamento pela televisão, ocorrido hoje, veio um assomo de lirismo: como seria a política e a vida social em Portugal se os trabalhadores tivessem autorização dos patrões para assistir aos debates quinzenais? Para os deputados, membros do Governo, funcionários da Assembleia, jornalistas destacados e ocasional público, este debate não deve ter sido diferente de tantos outros. Não há nenhum facto digno de registo a noticiar, nem sequer alguma frase memorável, mesmo que de memória efémera. Num certo sentido, nada aconteceu. Mas no seu outro lado, aquele que justifica a existência da figura do debate regular, é um dos instrumentos mais importantes da democracia e do Estado de direito. Os partidos têm tempo de preparar as intervenções e podem confrontar directamente os responsáveis governativos. Havendo ideias ou denúncias, o Governo fica sujeito ao desafio de lhes responder na hora, ou correr o risco de passar a imagem de fraqueza ou culpa. Claro que as propostas e as queixas dos partidos podem ser expressas a qualquer altura, não havendo nenhum impedimento para as fazer chegar à comunicação social e à população. Isso ajuda a iluminar a dimensão principal do debate quinzenal, e a qual se liga directamente com a matriz da democracia tal como ela foi primeiramente idealizada: num debate, dá-se prova de carácter. Este aspecto tem a sua raiz na ancestralidade de qualquer grupo humano, onde existe a necessidade de estabelecer hierarquias, sob pena de se desagregar o grupo em causa. Debater é, pois, combater e conquistar o poder – e a arma democrática por excelência é o carácter, a virtude. Na sua perfeição, a democracia é uma aristocracia perene, imune às disfunções oligárquicas e às perversões tirânicas, através da permanente e ordenada renovação.
O espectáculo de ver deputados aos berros, rubros de hostilidade, a sobreporem-se ao discurso do Primeiro-Ministro, pode deixar indiferente qualquer outro. Ou o espectáculo de ver os deputados a falar e a rir enquanto um outro deputado discursa, pode ser a normalidade. E o espectáculo de ver deputados a abandonar o hemiciclo só porque o seu partido já tinha acabado a intervenção, enquanto o debate continuava, pode apenas suscitar bocejos a muitos. O mesmo pode ser dito quanto à lamúria tecnocrática de Paulo Rangel, à retórica serôdia de Paulo Portas, à postura folclórica de Jerónimo de Sousa, à excitação soviética do tipo dos Verdes e à chatice ortodoxa de Alberto Martins – tudo mais do mesmo, a falência da inteligência continuadamente repetida como maldição. Mas, para mim, o choque veio de Francisco Louçã. Num debate cujo tema era relativo à crise económica internacional, Louçã tinha uma pergunta que insinuava a certeza da existência de recibos verdes numa empresa que representava a Segurança Social num dado serviço. A situação suposta era muito fixe, pois sumamente irónica. Contudo, Sócrates tinha a resposta pronta, a qual assarapantou o interrogador e deixou a sua bancada num estado de meter dó. Fatal, porém, foi o modo como Louçã lidou com a situação, não querendo admitir a bacorada com que esgotara a intervenção do seu partido no debate sobre a crise internacional. E veio justificar a questão com deturpações de menino apanhado numa traquinice a não querer assumir responsabilidades. Estes momentos, ó Louçã, são maus para a fotografia.
Passámos parte dos anos 80, e os 90 todinhos, a ter esperança neste rapaz. Entretanto, as primaveras chegam às 52 em Novembro, breve será pré-sexagenário e é crível que não esteja a ir para novo. O mito ainda é o do Louçã verboso, padreco e disposto a fazer a revolução nos 15 minutos seguintes. Só que a realidade, ao longo do tempo, mostra um político estagnado, invariavelmente azedo e odioso, o qual não se imagina a ser substituído por um qualquer lugar-tenente. O Rosas é um espinho cravado na sã convivência com os adversários, o Fazenda não consegue cobrir a nudez de ideias e a Drago queima-se na sua própria chama. Se albergam lá mais alguém de valor dialógico, pelo menos aproveitem os debates quinzenais para irem rodando até acertarem num novo talento. Isto de nem o Bloco ter material político para perturbar o nosso Primeiro, é o espectáculo mais desolador de uma tarde passada a olhar para a casa da democracia.
Sem querer reduzir o meu comentário ao sempre arriscado, ouvi dizer que, ou diz-se que, ou pior, à quem diga, partilho convosco e especialmente contigo caro Valupi, esta informação, que só é mais triste por ser muito real.
Durante 2 anos ouvi da boca de uma boa amiga, muitos e dolorosos desabafos das suas desventuras enquanto empregada do Miguel Portas, na não menos desinteressante revista Vida Mundial. Pois muitos não saberão que este senhor, mantinha quase todos os empregados a trabalhar num regime de recibos verdes por tempo indeterminado e por períodos recorrentes de 12 horas por dia.
E sempre que alguém se queixava, e queixavam-se, lá disparava a clássica ameaça, se não estás contente, há muita gente a querer este lugar.
Tudo isto se passava no final dos anos 90, já o BE existia e este senhor espumava da boca sempre que acusava o capitalismo de desumanidade.
Enfim, como dizias à uns posts atrás, é o sistema político todo que está inquinado.
Raúl Brandão dizia (escrevia) em 1918 nas suas memórias: «Todos querem comer mas não chega para todos…»
Eu, se fosse bloquista, gostaria de ver o meu partido livre da imagem desse seminarista azedo, demagogo, previsível e doentio, que tão mau aspecto dá à casa. Eles, bloquistas, ainda não perceberam (graças a deus!) que com aquele gajo na fachada nunca irão a lado nenhum.
Por mim, o andróide do Louçã pode lá ficar até ser septuagenário – garantia de que o Bloco nunca passará da merecida cepa torta. O Rosas é mais político, mais conhecedor, mais inteligente, mais sério. Ainda bem que não é ele o boss.
Caro Valupi,
Mais logo conversamos.
Nota
Este blog vai inscrever-se no CDS
Mas não é o Daniel Oliveira a agência de comunicação particular do Louçã ? É a ele que tem de se pedir contas por deixar o seu cliente fazer estas figuras …
Joao, trazes um exemplo que eu não posso confirmar (obviamente), mas que é verdade porque há testemunhas. Como diria o Daniel Oliveira, é revelador.
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jcfrancisco, exacto. A velha história.
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Nik, mas achas que o Rosas daria conta do recado? Tenho as maiores dúvidas.
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ramalho santos, quando quiseres.
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Grunho, não.
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Jeronimo, bem visto. No entanto, há clientes muito difíceis.
valupi rapaz, olha lá o fígado. Bem eu gosto do Louçã, pecado meu, acompanho-o há muitos anos embora não sejamos íntimos.Ela chama a atenção para coisas que ninguém mais chama e eu agradeço isso. Sim, na esquerda de raiz antiga há um problema qualquer de falta de pai que tende a eternizar os líderes, mas é da sua natureza, da sua identidade. O que interessa é o mosaico de informação associado ao conjunto, a potência do conjunto.
Nestes dias sem net vi um bocado de televisão, que remédio, mas fui agradavelmente surpreendido com algumas coisas: por exemplo ontem vi excertos do debate na Ar e ri até às lágrimas, aquilo parece uma mistura de família Adams com BD. A bancada do CDS é bd pura, são os maus maquilhados. Já aquele gordinho do PSD nunca tinha visto, é um a modos que um leitão azul…
javali gostoso não vi
Eu também gosto do Louçã, Z. Nós damos atenção e tentamos puxar é por aqueles de quem gostamos. E neste momento ele é um merdas.
Caro Valupi, (já reparou que esta saudação fez escola?). Como de costume, o seu texto é uma observação a dois tempos, como se deve ser, e o que se é na realidade.
É de todos conhecido, que a expressão de qualquer vontade, mesmo de um talento em política, no debate parlamentar, dos nossos dias, representa um produto defecado em série por diversas bestas de serviço, atentas a que o seu devir continue assegurado.
“Debater é, pois, combater e conquistar o poder – e a arma democrática por excelência é o carácter, a virtude”.
A virtude é como bem sabe actos humanos genericamente bons. Onde vê nesta arena falseada de alto a baixo, onde a legitimidade de cada um é zero, onde a emanação da vontade parece vir de outro planeta.
O problema é tão grave que estes artistas me confessam que já nem vislumbram ou descortinam os interesses em jogo! O país paga a preço de oiro esta cega-rega. Até quando?
“…democracia é uma aristocracia perene, imune às disfunções oligárquicas e às perversões tirânicas, através da permanente e ordenada renovação”.
Lamento, e salvo melhor opinião, os conceitos estão pouco consolidados, vejamos: Monarquia vs Tirania (Governo de um só) Aristocracia vs Oligarquia (governo de poucos) República vs Democracia. República o governo de alguns em nome de todos, Democracia o governo de todos para todos. Os Estados Unidos da América são uma República e não uma Democracia.
“…tudo mais do mesmo, a falência da inteligência continuadamente repetida como maldição”.
Sobre FALÊNCIAS vamos todos ficar bem servidos, lembram-se quem afirmou muito convicto que as “nossas” reformas estariam garantidas por 50 anos? Agora prometem que ninguém vai perder um tostão das suas poupanças, JAMÈ, ninguém ri?
“…debate sobre a crise internacional”.
Isto já vai chato e longo, não faltará tempo e assunto sobre o tema.
“Isto de nem o Bloco ter material político para perturbar o nosso Primeiro, é o espectáculo mais desolador de uma tarde passada a olhar para a casa da democracia”.
Cheira a pedra tumular, creio que é ainda muito cedo.
Os desígnios de Deus são insondáveis meu Caro Valupi.
ramalho, meu caro, agradeço o teu bem desenvolvido comentário. Começo pelo fim: a casa da democracia está viva, alguns dos seus habitantes é que estão mortiços. Por isso, nenhuma pedra tumular, antes um altar.
Quanto à virtude, não a fiz remeter para uma “bondade”, mas sim para um “força” considerada boa. São coisas diferentes, e na palavra “virtude” está etimologicamente presente esta noção de “potência”, a capacidade para alcançar algo. Mais tarde, com o cristianismo, a palavra ganhou uma conotação restrita à moral. Não é o sentido a que aludo.
Quanto ao conceitos, tens alguma razão. Estás a fazer menção à reflexão aristotélica. Nesse caso, e se a ideia for a de ficar nesse território, teremos de distinguir entre os regimes monárquico, aristocrático e republicano e suas correspondentes disfunções, a tirania, oligarquia e democracia. Repara que, neste contexto, a democracia aparece como uma perversão – noção que se alterou historicamente e, hoje, tendemos a identificar a noção de democracia com a de república. Por aí, os EUA são uma democracia. Se não formos por aí, também não encontras nenhuma democracia no Mundo.
javali gostoso vi sim, a chamar cobardes a eles todos, belo macho
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