Cinema – 5 estrelas é demais!

Segundo li, o realizador João Canijo reagiu com violência física contra um crítico do Expresso que ousou atribuir apenas duas estrelas ao seu filme “Sangue do meu sangue”. Quer isto dizer que se tem em muito alta conta. Terá razões para isso?
Vi o filme na semana passada. Com tanta crítica laudatória, as expectativas eram altas, mas o que vi não me suscitou tanto entusiasmo como a algumas pessoas. Explico:
O ritmo é, em geral, lento (daí as quase três horas) – longos percursos das personagens de e para casa, à boa maneira dos filmes insuportáveis portugueses, cenas demasiado demoradas. Para percebermos que uma casa é minúscula não é necessário filmar os seus interiores repetida e longamente. As conversas prolongadas às refeições, a dos carapaus por exemplo, que até podem ser realistas, não acrescentam muito à trama.
Duas histórias correm em simultâneo (por vezes os seus protagonistas partilham o écran em diálogos distintos), emanando de e convergindo na casa de uma família pobre dos subúrbios da capital, onde, através da chefe de família, encarnada por Rita Blanco, ganham sentido os laços de sangue que dão o título ao filme. Existe uma solidariedade familiar, embora em facções.
De um lado, o bas-fonds do narcotráfico, história violenta, que culmina na cena final extrema de humilhação e sangue, para muita gente, eventualmente, a cena mais marcante do filme. Palavrões em barda, ao bom estilo “fuck” e “fucking” das centenas de filmes hollywoodianos que já vimos sobre essa temática, desta vez em língua portuguesa. Os actores vão bem, com destaque para o chefe do gangue. Mas só isto não faz um bom filme. O tema é demasiado batido.
Do outro lado, uma história amorosa que parece prometer grande realismo e também alguma originalidade, mas que depois descamba, com grande prejuízo, para um enredo telenovelesco, risível e bastante inverosímil dando, quanto a mim, cabo do filme. Os diálogos são maus e o pior deles todos é o da conversa de rompimento dos amantes, candidato ao pior diálogo da história do cinema. Agravado pelo péssimo desempenho do actor que faz de médico. Já Rita Blanco é sem dúvida uma boa actriz e domina o filme. Quase arrisco dizer que os diálogos que protagoniza são provavelmente de sua autoria, atendendo à qualidade dos restantes.
Em conclusão, o que nos fará dizer que ganhámos algo ao ver este filme? Muito pouco. Que nos subúrbios há muita crueldade e também bons sentimentos, muitas vezes coexistindo na mesma pessoa? Que um criminoso pode ser um bom pai? Que o realizador estudou bem o meio? Sim, tudo indica que sim, e o aspecto para mim mais bem conseguido é o da relação tia-sobrinho. Mas falta contexto, falta história àquela gente. Falta a diferença que faz um bom filme.
Parece-me que, entre alguns dos nossos críticos (no Público, por exemplo, os três críticos atribuem ao filme 5, 5 e 4 estrelas), há uma tendência para valorizar demasiado determinados filmes portugueses só por serem portugueses e não serem maus. Não é assim que vamos lá. Objectividade precisa-se. Cinco estrelas, meus deus?

12 thoughts on “Cinema – 5 estrelas é demais!”

  1. Concordo com vários aspectos da tua crítica, e os essenciais. Mas recomendo este filme a toda a gente porque, apesar de ser um filme mediano, é de uma mediania muito bem feita. Ou seja, mesmo as falhas que facilmente possamos apontar são o sinal de que se atingiu aqui uma maturidade na produção que noutras paragens era a bitola mínima da indústria cinematográfica de qualidade.

    E depois, dando a mão aos que se apaixonaram pela obra, colhe reconhecer que há uma estética muito vaidosa que convida ao aplauso.

  2. Os filmes, como qualquer obra de “arte”, podem ser olhados por muitos lados.
    A Penélope decidiu olhar pelos lados que elegeu.
    Muito bem.
    Eu, ao invés, decidi olhar por outros.
    Há quem goste dos filmes do Pedro Costa (creio que é assim que se chama o estimado realizador português nos EUA e não só…e que fez o “No quarto da Vanda” e a “Geração em Marcha”) cuja temática circula nos bairros degradados e “africanos” e de “realojamento” da Amadora.
    Há quem goste.
    O filme de Canijo é outra coisa.
    É uma história, boa, na minha opinião, contada com a linguagem que é a dele e…que eu gostei muito.
    Sei que o Canijo tem mau feitio, mas é aspecto irrelevante para a apreciação do filme.
    Não lhe vou dizer que conheço, bem, o bairro Padre Cruz, junto ao novo cemitério de Carnide e paredes meias com a Pontinha.
    Não lhe vou dizer que conheço bem as figuras que atravessam o filme, nem o modo como se exprimem. Mas, sempre lhe digo, que, em três palavras, utilizam, normalmente, quatro palavrões…
    Sou “amigo” e admirador do Nuno Lopes. Acho que poderia ter tido mais sorte com o papel que lhe coube representar.
    Mesmo o personagem é desconcertante. Aparece com três filhas, em casa, e sem mulher, a tratar de lhes dar de comer. Uma delas, que não se vislumbra, mas que se ouve, está com diarreia. Isto, serve para quê? Que parte do personagem cabe aqui? Depois… NUNCA mais são mostradas.
    Como perceberá, obra perfeita não há. Há mesmo quem coleccione “desconformidades” nos actores e nas histórias, nos filmes.
    Agora, sempre lhe digo, não sendo eu especialista, assim como Bénnard da Costa, ou o Pedro Mexia, ou o João Lopes, de cinema, vi com muito prazer este filme, não senti o tempo da fita a pesar-me, bem pelo contrário, e achei os actores e os figurantes, fantásticos, a quem acrescento uns quantos habitantes do bairro…simplesmente, notáveis.
    Acho um desperdicio a Beatriz Batarda, como mulher do Professor, médico, o Beto, que tinha vivido no Bairro…mas ainda assim vai muito bem, nas poucas falas e aparições que o Canijo lhe deu.
    Eu devo ter visto a versão curta (parece que há duas; a minha tinha 140 minutos…).
    Sugiro-lhe a leitura deste texto de Nuno Galopim, que partilha o espaço do blog de João Lopes, um dos nossos bons criticos de cinema: http://sound–vision.blogspot.com/2011/10/historias-de-amor-incondicional.html
    Para remate de conversa.
    Eu gostei do filme por que me provocou, me inquietou e por que conta uma história, muito bem contada.
    Aquilo que me dá prazer no cinema são as histórias, as mais das vezes irrelevantes, mas muito bem contadas.
    É o que acontece com o filme do João Canijo…em meu entendimento.

  3. OK, mas a maturidade já conseguida a nível estético não se pode ficar por aí. Tenho visto óptimos filmes romenos, iranianos, dinamarqueses, finlandeses, israelitas, argentinos, etc., e até, há muito pouco tempo, um congolês, passado em Kinshasa (“Viva, Riva!”), todos filmes de baixo orçamento e que, no entanto, sem grandes floreados estéticos, me dão a perceber, através de uma boa história, as relações sociais, os contextos políticos, as opressões (familiares e outras), conflitos, modos de vida, casos complexos e, através deles, muito sobre os povos e as sociedades desses países. Não é de todo o caso deste.
    Falta em Portugal muito estudo com vista a arranjar bons argumentos, penso eu, já que potenciais temas não faltam seguramente.

  4. Zeca Diabo: Não concordo com o João Botelho. Falta ao cinema português dar um salto qualitativo em termos de argumentos. É pena não o ter ainda feito, porque matéria não falta. Dá é trabalho.

  5. as 5 estrelas são relativas ao cinema português…e o Canijo tem merecido “ganhar a vida” é muito bom. é o único realizador português que tenho paciência para ver até ao fim. ainda não fui ver este , espero que não lhe tenha dado para homenagear o Oliveira e se tenha posto a filmar em 1ª e marcha atrás.

  6. Habituados que estamos a conduzir carros a sério, mas inventados por outros, como Mercedes, Renault, Volvo, Toyota, Fiat, etc. (os que saem da AutoEuropa não são para aqui chamados), muito orgulhosos ficaríamos se o Trabant tivesse sido criado, de raiz, por portugueses. Pois… mas não deixaria de ser um Trabant…
    Lá terei, um dia destes, de ir cumprir o meu dever patriótico. Rezo para não ter um furo (ou mais) na lusa viagem e, se chover, espero que o fabricante não se tenha esquecido de incorporar um limpa-pára-brisas!

  7. Ola,

    Bolas ! La temos outra vez uma querela ontologica acerca de uma porcaria (?) de um filme. Isto não é uma geração rasca, nem uma geração à rasca. E’ muito pior : uma geração João Lopes !

    O que vislumbro no meio de tanta verborreia é que a Penélope não gostou do filme, por razões que parecem estar indicadas la para o fim do post dela, que começa por uma valente meditação sobre o Pentateuco, mas que em contrapartida o Valupi não desgostou, por outro sem numero de razões expostas a seguir a um verdadeiro tratado sobre a boa maneira de se respirar na fila para a bilheteira.

    Vão ver o filme e falem-nos do filme, caramba, e não da virgem maria que vos aparece na tela de cada vez que se lembram que ele foi feito pelo Manel José, primo da Efigénia, que andou a estudar no Porto.

    E se quiserem mesmo encher a boca com “os problemas problematicos do cinema português”, comecem por lembrar que o principal é de certeza a critica, ou antes é o facto de os criticos, em Portugal, que seja em arte, em musica, em literatura ou em cinema, são completamente incapazes de pôr a hipotese que a obra que comentam tem uma existência propria, independente das opiniões que possam ser emitidas acerca dela.

    Uma existência pequena, modesta, simples, mas que felizmente, resiste aos criticos, para o bem e para o mal.

    Como vêem acordei bem disposto.

    Boas.

  8. Ó João Viegas, mas que paleio. Eu fui ver o filme, homem! E tu?
    Claro que tem uma existência própria e foi essa que comentei, pode-se?

  9. Eu não. Pode-se, claro, fui injusto, mas como disse acordei mal disposto.

    Não sei se va ver o filme. Percebo que é lento, mas que ha uma cena violenta la para o fim em que a Rita Blanco dialoga com ela propria dizendo “fuck”, mas em português.

    Duvido que o filme passe perto de minha casa. Alias, perto de minha casa, so ha coisas de 5 estrelas.

    Boas

    PS : Em contrapartida, fui ver “Children of the sun” (Ran Tal, 2007). Trata-se de um documentario sobre as pessoas que viveram nos kibbutzim, e sobre o desaparecimento de um sonho. O filme é inteiramente construido a partir de filmes amadore realizados pelos habitantes dos kibbutzim num âmbito familiar, entre os anos 30 e os anos 70. Recomendo. Se quiserem ver bom cinema portugês, podem ir ver esse.

    PS 2 : Bolas, não é português, é israelita. Não interessa, vão ver que não perdem tempo. Não sei quantas estrelas merece, mas isso é o menos.

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