O corvo de Papillons Walk

Cai aqui uma chuva macia e certa
Na estrada do domingo de manhã.
Teimoso e obstinado, o corvo corre
Nos intervalos dos poucos automóveis.
Será o resto de um pão preso ao asfalto
Deixado cair por uma criança indolente.
Mal surge o som e a imagem na curva
De Morden Road, o corvo salta da rua.
Nada sabemos deste corvo capaz de viver
Dentro do tempo de duas guerras mundiais.
Em 1914 terá fugido ali para Greenwich
Matando a fome na cantina da Academia.
Em 1939 escondeu-se no Rio Quaggy
Onde não chegavam as bombas alemãs.

O corvo de Papillons Walk salta
Por cada automóvel que aqui passa.
Nada sabe da chuva desta manhã
Nem dos cânticos da igreja ao lado.
Sem idade nem memória, só futuro
Há nele uma pujante razão de ser.
Não se distrai com os esquilos
Que cruzam os jardins das moradias.
Não se concentra nas crianças da rua
Nas suas roupas, gritos e abóboras.
Não se envolve no trânsito da rua
E no som do guarda-lamas nas lombas.
Em Papillons Walk o corvo come
Um pão que não seca nem termina.

11 thoughts on “O corvo de Papillons Walk”

  1. Bom regresso, meu Caro José do Carmo Francisco !
    Nós deixámos morrer os nossos corvos, os “vicentes” que interpelavam os bêbedos nas tascas de Lisboa, se calhar de fartura, por lhe serem garantidas 3 refeições diárias, sem terem que procurar migalhas no meio do trânsito de Londres e arredores.
    Já agora por falar em corvos, as memórias da minha guerra colonial vão chamar-se ” Os Corvos do Unango e seis Aerogramas de Amor”, ou “ A Companhia dos Corvos…” , os corvos não são o epíteto da minha aguerrida força, os corvos são mesmo corvos, primos direitos do que entra no seu poema. Crocitavam empoleirados nos parcos ramos dos embondeiros e nós, entre campeonato de tiro ao alvo e fome de carne fresca, matávamos neles e fazíamos grandes churrascos, passe a barbaridade daqueles tempos. Carne escura, mas saborosa !
    Um abraço para si, sorte para a vida dura do seu corvo que ganha o pão honradamente com o suor do seu rosto.
    Joaquim

  2. Um abraço já lisboeta para si meu caro Joaquim Nascimento. so depois de ler o texto no «aspirinab» percebi o seu tamanho de 2 sonetos. Incrível como a «respiração» do poema se articulou com a forma. Cá fico à espera do livro…

  3. Eu achava melhor que escrevesse os seus versos em inglês. Assim, só prova que o jcFrancisco continua a mostrar a ingenuidade de querer elevar-se a um lugar que nunca será seu. O pior, é que pensa que os outros acreditam…

  4. Mas tu achas? Achas o quê? Só acha quem procura e tu procuras o quê? Dar nas vistas? Ter graça? Olha que é complicado, não é para quem quer mas sim para quem sabe.

  5. Maria,

    Os lugares são nossos se tivermos vivido neles.
    Os lugares onde vivi são meus e para sempre me pertencerão, e eu a eles. Independentemente do que uma labrega como você possa “achar”.

    Com comentários de sarjeta, você é que eleva o JCF a um nível intelectual que infelizmente nunca será o seu.

  6. Olha o J. Carmo Francisco a responder à Maria…Vê-se logo que a prosa é a dele. Não enganas ninguém, pá!

  7. A «respiração» do poema articulado com a forma, eheheheh, isso lembra-me o o olho no pulmão. Analogia com o olho de outra coisa. Cada imagem estilistica.

  8. Não me digas que ainda não percebeste que os poemas respiram??? Olha este do Manuel da Fonseca «Sete casas duas ruas / no meio das ruas um largo / no meio do largo / um poço de água fria». Sente-se a ALDEIA a respirar. Não percebes???

  9. Porque não se serve antes dum poema seu para exemplificar? Se é tão bom…Porque escolher um poema de Manuel da Fonseca?! E tão sensível que você me saiu…Como sente a respiração de um poema! Mas com as grosserias que escreve em resposta aos comentadores, quem diria, não é? Acho graça ao «ideias» não ter esquecido aquele seu «poema» com olhos nos pulmões! Esse sim, respira, sem dúvida. O problema são os olhos. Já pensou numa cirurgia ou dá-lhe jeito olhar para dentro?

  10. Esta MARIA é o MÀXIMO. Gaita, que tenho que limpar o ecran de tanto me rir com ela, cuspi tudo o que estava a comer, eehehehehhe

    JFK, mas aí quem respira é a ALDEIA. Percebe? A Aldeia está dentro do POEMA. O poema não respira, não tem aparelho respiratório. Respirar respira aquele concreto olho, quando serve de evasão a um ar fugido das entranhas. Ou então um remate tipo «sporting» que o cu não defende.
    Ainda hei-se fazer uma «ode ao cú», e vou falar de polipos e tudo.

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