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Perguntas maldosas

Tendo em conta que o malabarismo com a TSU não se destina a reduzir o défice e que, se fosse (for?) esse o destino das receitas obtidas pelo Estado, estar-se-ia a arrasar os fundos da Segurança Social,

Tendo em conta que nos é dito com o à-vontade de quem domina o absurdo que vão ser necessárias medidas “temporárias” em vez de “extraordinárias” para corrigir a derrapagem orçamental colossal do corrente ano, apesar do confisco violento, desumano, inconstitucional, desnecessário e contraproducente de salários que visava precisamente equilibrar as finanças públicas,

Tendo em conta que o principal, se não único, autor de tais medidas classifica de “intensificação do diálogo democrático” a onda nacional de indignação e contestação que ele mesmo provocou e que pode bem culminar no seu afastamento do cargo que ocupa sem que, aparentemente, perceba porquê,

Pergunta-se:

A presença de Vítor Gaspar no próximo Conselho de Estado terá por objetivo avaliar se o paciente “articula um discurso coerente e com adesão à realidade”?

E o presidente do coletivo estará em boas condições para ajuizar?

Será esta a instância mais adequada para a avaliação?

Esquizofrenia? Veja se gosta destas.

O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, afirmou hoje que a política em Portugal vive em alguns aspetos uma “situação que raia a esquizofrenia”, com alguns responsáveis pelas dificuldades financeiras a “explicar como se deve governar”.

Para começo de conversa, vocês estão ou não fartos de provar que não sabem governar? A desorientação é total.

E, de facto, na questão da esquizofrenia, é de arrepiar que a crise financeira internacional, de que nós fomos das primeiras vítimas do lado de cá do Atlântico devido às amarras da moeda única, à inação e deficiências das instituições europeias e à sede de poder de um bando de indígenas tão gananciosos quanto mal preparados, e que teve origem nos jogos de casino de Wall Street, tenha as suas consequências agora “combatidas” com as receitas defendidas pelos próprios “gamblers” já recompostos e regressados às lides, e que, na Europa, encontraram aliados tão improváveis quanto interesseiros como os países do norte da zona euro. Esta é a esquizofrenia primeira.

A segunda, mais local e regional, está no facto de o Governo enaltecer perante cada microfone que lhe ofereçam o sucesso de Portugal no cumprimento do programa de ajuda externa quando afunda o país num novo buraco de 5000 milhões de euros (sem Jardins nem BPNs) e falha todas as previsões, aproveitando o ensejo e a maioria para ameaçar os portugueses com nova sangria nos ordenados, sem fim à vista. O coro de esquizofrénicos tamanhos estende-se também às Lagardes e Junckers deste mundo e aos porta-vozes da Comissão que, em grande conluio, veem (e apregoam) sucesso onde os principais interessados apenas veem desastre.

Finalmente, e como os “responsáveis pelas dificuldades financeiras”, na boca de Miguel Macedo, são e serão para todo o sempre Sócrates e os seus ministros, o que é de facto de esquizofrénicos é terem deitado abaixo um governo comprometido e empenhado num plano de austeridade gradual e menos doloroso para os portugueses, com a rejeição de um PEC apoiado pelas instituições europeias, alegando excesso de austeridade, para chamarem e abraçarem uma Troika implacável, mistura explosiva de nórdicos moralistas e FMI historicamente desastroso, que apenas está a causar miséria e nem a dívida dos países consegue reduzir. Mais: experimentam fórmulas jamais testadas em países pertencentes a uma união monetária especial e nem isto têm em conta. Esquizofrenia é mostrarem-vos onde conduzem os excessos e vocês não só repetirem-nos como agravarem-nos.

Um esquizofrénico, de facto, tem um desígnio que desafia a realidade e que é sempre infrutífero desmontar. Pobre de quem está à volta e ignorância de quem lhe entrega o poder.

Um primeiro-ministro pegado com cuspo

Graças aos “bons resultados da execução do programa de ajustamento” e à “recuperação da nossa credibilidade internacional”, o Governo pode ter os dias contados. Tudo depende da resposta às seguintes perguntas:

– A provocatória transferência de uma parte dos salários dos trabalhadores do privado para a tesouraria das empresas vai mesmo figurar no orçamento e passar no Parlamento?

– Portas sabia de todas as medidas, incluindo a redução da TSU nestes moldes? E os seus deputados, sabiam? Impossível não ver que o homem anda feliz a viajar e que não lhe apetece nada, é que mesmo nada, largar o lugar depois de anos de demagogias e sujeiras várias para lá chegar. Mas são sairá bem desta fotografia. Se sabia, porque lhe deu assentimento (é uma subida brutal de impostos) e não informou o partido? Se não sabia, como manter a coligação? E se sabia e assinou a medida por lhe ter sido apresentada como imposição da Troika (uma mentira, portanto)? Pior, não?
Como continuar, pois, a visitar o mundo?

– O que vão fazer os deputados do PSD? E os do CDS?

– Vai o Governo recuar? Se a incompetência, imaturidade e insensibilidade já estão à vista de todos, um recuo seria a confirmação fatal (embora permitisse acalmar os ânimos no imediato).

– O que vai fazer Cavaco? Ousará correr com eles, depois de os lá ter posto (convencido de que interviria ativamente na governação)? Solicita ao menos a fiscalização preventiva do TC?

– E o Tribunal Constitucional? Foi desrespeitado e desafiado. Vai ter de se pronunciar.

Não sei se um ano e meio deu tempo ao Relvas para fazer todos os negócios que tinha previsto. Parece-me que já não vai ter muito mais.

Não estamos na época do tomate?

Este homem arrisca-se a engolir a “intensificação do debate democrático” da pior maneira.

Primeiro abre um buraco orçamental gigantesco, por sua própria responsabilidade, quando era suposto começar pelo menos a equilibrar as contas, depois responde a uma tríade de olhos esbugalhados, que, com o ar do tempo, mostra maior razoabilidade, que não precisa de mais dinheiro, apenas de meio ponto percentual de flexibilização da meta do défice (enquanto esconde do pagode o valor real do mesmo), de seguida, em vez de aliviar, agrava as medidas de austeridade de um modo jamais visto, a mais importante das quais, a descida da TSU, uma autêntica provocação a quem trabalha e vê o seu salário reduzido, e, ainda não satisfeito, responsabiliza agora os que se lhe opõem pelos “riscos catastróficos” da instabilidade política causada pelo não acatamento dos seus alucinados ditames. É obra.

“Aqueles que tornarem cumprimento do programa mais difícil estão a trabalhar para que estes mecanismo [ajuda que pode ser dada pelo BCE e apoio parceiros europeus] não protejam a economia e sociedade de risco potencialmente catastrófico”.

E continou: “quebras na unidade estão a enfraquecer a posição Portugal e aumentar probabilidade dos riscos catastróficos. Concluímos o quinto exame e o debate democrático itensificou-se”.

“Que se lixem as eleições”?

Não foi há muito tempo que Passos nos procurou seduzir com tal desprendimento. Asneira dupla, pouco surpreendente vinda de quem vem. Não só as eleições são uma ocasião para aproximar as políticas dos desejos das populações, pelo que não lhes atribuir importância é governar potencialmente contra o país, como também o facto de a frase ser proferida por alguém que chegou ao poder através de eleições encerra em si uma contradição. Na realidade, o homem está a lixar-se para tudo menos para as eleições. Este violento pacote de austeridade, segundo o DN superior em seis vezes ao que é necessário para cumprir a nova meta do défice, mais não é do que uma tentativa desesperada de “despachar depressa este assunto do empobrecimento” para em 2015 haver margem para a propaganda. Pena que a burrice não pague imposto. Não só tudo isto está a ser um escândalo com consequências imprevisíveis, como também o resultado em termos de finanças públicas e de economia vai ser ainda pior do que o alcançado este ano com medidas, apesar de tudo, menos gravosas. Esta gente deve ser corrida quanto antes. Quanto foi afinal o défice deste ano? Não será que a Troika está a dar cobertura a uma fraude?

As comunicações do Governo seguem a agenda futebolística?

Depois da conferência de imprensa de Vítor Gaspar, cada vez mais o cavaleiro de triste figura, e perante o coro de protestos e críticas, Jorge Moreira da Silva montou no seu burro e saiu em defesa de D. Quixote. E fê-lo da maneira mais delirante, ao jeito do seu cavaleiro. Que lhe ocorreu dizer? Que esta foi a quinta avaliação da Troika, a mais importante, aquela em que, lembram-se?, na Grécia, o programa foi considerado ter falhado. Ora, em Portugal não! Com grande orgulho o disse, em Portugal a Troika considerou a aplicação do programa um sucesso. Só isso já era um importantíssimo sinal de confiança. E porque não falhámos nós? Segundo se depreende das palavras do ministro horas antes, porque a derrapagem orçamental foi de 5000 M€, não se cumpriu a meta do défice, aumentou-se a dívida, empobreceram-se os portugueses, agravou-se a recessão, destruíram-se empresas, desagregaram-se famílias e os sacrifícios de nada serviram. Simples, portanto, não falhámos! Um autêntico sucesso. Falhanço, falhanço seria ter de anunciar um novo pacote de agravamento fiscal do mais violento e incompreensível de que há memória.

“A Comissão política nacional do PSD congratula-se com a quinta avaliação da troika. Foi precisamente na quinta avaliação da troika que a Grécia falhou. Por isso é uma boa notícia”, sublinhou o vice-presidente do PSD, acrescentando: “gostava que as pessoas soubessem que se assim não fosse teria acontecido a Portugal o que aconteceu à Grécia”.

Jorge, homem, o que é que aconteceu à Grécia? Uma bem-vinda reestruração da dívida e um reforço das medidas de austeridade uma e outra e outra vez… Nada a ver.

O estranho caso do parque de campismo

Recomendo por variadíssimos motivos, entre os quais a ousadia, o estoicismo e, apesar de tudo, o bom humor do jornalista Paulo Moura, a leitura desta reportagem publicada na revista do Público há mais de um mês e agora disponibilizada online. O jornalista foi desvendar os mistérios – a organização, as pessoas, as tendas, o aluguer dos espaços, os esquemas, as regras e tudo o resto – que se escondem por trás das grades do parque de campismo da Costa da Caparica, um espaço enorme e em local privilegiado, cuja frequência e acesso, falta de privacidade visível a olho nu, degradação e estranha perenidade sempre me intrigaram, a mim e tenho a certeza que a muitos lisboetas e turistas que por ali passam a caminho de outras praias, agora finalmente trazidos à luz do dia graças a este trabalho. Curiosidade satisfeita, obrigada ao jornalista pela belíssima reportagem.

Tudo isto é propositado e muito errado

Esqueçamos o ar pesado com que Passos Coelho se apresentou ao país. Um ator domina a técnica. Como o próprio já nos confessou, não considera uma cruz a aplicação do programa da Troika. E o programa é o que está à vista. Nele estão inclusivamente previstas comunicações ao país com ar compungido. Passos, pois, não só concorda com o programa, esperava até por ele, como o aplica com a máxima convicção, coisa que tem afirmado e continua a afirmar. Dispensamos, portanto, os ares de chefe de governo responsável (até porque Relvas continua lá) e as suas declarações de pesar no Facebook pela ingratidão do papel que lhe cabe. É tudo farsa. O programa da Troika, e assumidamente do governo, consiste exclusivamente no empobrecimento da grande maioria da população, alegadamente para tornar o país competitivo. Competitivo em relação a quem, não nos é dito e era importante sabermos para podermos avaliar e discutir a lógica desta ideia. Ora, este objetivo parece tanto mais exclusivo quanto não se ouve nem da parte do governo nem da Comissão nem dos restantes credores qualquer palavra de frustração ou de censura quanto ao incumprimento das metas acordadas para o défice. Isto pode ter duas explicações: (1) não é importante, pois o objetivo principal é outro, ou (2) a receita falhou (e não era suposto falhar), mas Portugal tem de ser à viva força um caso de sucesso, logo monta-se o circo de que tudo está a correr bem e que o país está no bom caminho, abafando-se o mais possível a derrapagem orçamental e, embora mais difícil, o aumento do desemprego. Duvido desta segunda explicação. Impossível que esta gente não saiba o que está a fazer e o que quer.

Portugal falha como falha a Grécia e como vai falhar a Espanha. Por absurdo que pareça, a receita não está concebida para ajudar os países a reduzirem a dívida nem a dinamizarem a economia para que a possam pagar. O que se constata é que a dívida aumenta e que a recessão se instala, num círculo vicioso que torna impossível a recuperação económica. O que se pretende é apenas o empobrecimento ou, na linguagem desta gente, uma “desvalorização interna”.

E onde é que isto nos leva? Os alemães iniciaram há vários anos uma política de contenção salarial. Com a grande afluência de emigrantes turcos e da Europa de Leste, onde se ganhava 1/20 do que ganhavam os alemães, era praticamente impossível os salários não baixarem, para grande benefício das empresas e da economia. Mas uma coisa é ganhar 2000 euros e deixar de ter aumentos salariais num país grande e central da Europa (que aboliu o salário mínimo), outra bem diferente é, dentro de uma mesma zona monetária em que a moeda tem igual valor, ganhar 500 euros e passar a ganhar 380 ou menos num país distante do chamado “motor” económico da Europa. Não tenhamos ilusões: nem os alemães, nem os restantes países do Norte vêm investir em Portugal devido à mão de obra barata. Na Polónia, na Rep. Checa, na Eslováquia, na Bulgária, etc., os salários são ainda mais baixos e a proximidade geográfica (e cada vez mais as qualificações) não tem comparação. Mais: não precisam sequer de ir para o estrangeiro. No próprio país já pagam salários baixíssimos aos emigrantes. Os baixos custos salariais também não serão, por razões óbvias, motivo para que chineses ou indianos ou brasileiros aqui venham investir. Somos, por conseguinte, periféricos em relação à Europa e caros (e insignificantes) para os países emergentes. Continuar a lerTudo isto é propositado e muito errado

Podemos espreitar o resto da bandeja?

Estas medidas de austeridade não são, em princípio, tudo o que há na bandeja*. Estas são as que repõem nos cofres do Estado as verbas ameaçadas pela decisão do Tribunal Constitucional, mais uns pozinhos de 400 milhões de euros correspondentes à diferença entre a descida da TSU para os patrões e o aumento da contribuição para os trabalhadores. Ora, função pública à parte, sabemos que o buraco orçamental deste ano se cifra em cerca de 3000 milhões de euros. Nada nos foi dito sobre a obrigatoriedade e o modo de o tapar.

Logo, será de esperar que tal seja anunciado depois de terminada a avaliação da Troika. Se assim for, e não se conhecendo cortes em “gorduras do Estado”, estaremos a assistir ao anúncio em duas etapas de mais medidas de austeridade, o que parece estranho para um governo que elegeu como princípio a concentração e rapidez dos sacrifícios, logo, por maioria de razão, o seu anúncio.

No entanto, pode dar-se o caso de a Troika já ter concordado em flexibilizar as metas do défice para este ano e para o próximo (afinal, a Irlanda atingirá um défice de 8,3% este ano e apenas está obrigada a atingir a meta de 1% em 2015). Nesse caso, este primeiro anúncio de medidas seriam as más notícias que se dão em primeiro lugar (miseravelmente justificadas por mentiras sobre a decisão do TC), e imediatamente antes de um jogo de futebol da seleção nacional, para daqui a uns dias ou semanas se anunciarem as boas – que não nos é exigido o cumprimento dos 4,5% para este ano, nem os 3% para o ano que vem. Será? Pelo que têm dito algumas das luminárias laranjas mais radicais, com Passos à cabeça, esse seria um facilitismo totalmente de rejeitar. Mas dificilmente se compreende que se divida o anúncio de mais medidas de austeridade em duas partes, uma má e a outra… péssima. Seria mais uma originalidade, mas do género que não incorpora inovação, pois o “mercado” não vai “comprar”. Também é certo que a inteligência e o planeamento não abundam hoje em dia para os lados de São Bento.

*O PS, com aquele discurso solene de Zorrinho, deu ar de querer gastar precipitadamente todos os cartuchos. Porque não insistiu mais na “tresleitura” da decisão do TC?

Notícias de Karlsruhe (via Le Monde)

(Baseado numa notícia do Le Monde)

Segunda-feira, 10 de setembro, o Tribunal Constitucional alemão vai finalmente apresentar o seu veredicto sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que substituirá o FEEF e será dotado de muito maior poder de fogo em defesa dos países em dificuldades (€ 700 000 milhões contra os míseros € 150 000 do FEEF) .

Caso o TC declare o mecanismo inconstitucional, será o pânico nos mercados e na zona euro e a consumação do mal-estar em grande parte da UE com a predominância dos interesses e da democracia alemães sobre todos os outros. Será a guerra política, sobretudo depois das decisões ontem anunciadas pelo BCE. Mas, dizem os especialistas, tal veredicto é pouco provável.

O mais provável é que seja favorável, mas venha acompanhado de uma série de condições, nomeadamente a consulta das instituições eleitas, como a Câmara Alta do Parlamento (“Bundesrat”), o que atrasaria todo o processo de ajuda a Espanha, ou ainda a exigência de que Berlim contribua com menos fundos para o mecanismo e que o limite fique inscrito na Constituição. Apesar de a Constituição não autorizar referendos nacionais, outra hipótese ainda será o TC exigir que, no contexto da maior integração europeia, qualquer nova transferência de soberania seja sujeita a referendo, o que implicaria alterar a Constituição. Ora, além do tempo que tal demoraria, os eleitores alemães estão cada vez mais eurocéticos…

Suspense, pois, até segunda-feira. Se o MEE não for aprovado, volta tudo à estaca zero. Não haverá dinheiro para a Espanha nem para a Itália, que, por isso mesmo, não poderão pedir um resgate, condição indispensável para beneficiarem da disponibilidade do BCE para comprar a respetiva dívida. Depois das palavras de Mario Draghi, o Tribunal Constitucional com sede em Karlsruhe não se atreveria, dizemos nós. Mas se há coisa que não falta aos seus juízes são peneiras.

Dúvida que ficou por esclarecer na conferência de imprensa de Mario Draghi

Pode o BCE comprar dívida de um Estado-Membro contra a vontade deste?

Segundo se deduz do que afirmou não há muitos meses, Passos Coelho não concorda com o novo papel assumido agora pelo BCE. Presumimos que já lho terá feito saber a esta hora e que, se o banco se oferecer para comprar dívida portuguesa para o ano, Passos responda que não quer, que não precisa.

A relatividade

No Público de hoje: «O levantamento da imunidade parlamentar da deputada do PS Ana Paula Vitorino, para ser constituída arguida num processo por difamação interposto pelo ex-ministro Mário Lino, está a gerar controvérsia. Em causa estão as declarações de Vitorino no processo Face Oculta em que a ex-secretária de Estado dos Transportes reafirmou ao tribunal que o antigo ministro das Obras Públicas lhe disse que as empresas de Manuel Godinho, principal arguido no processo, eram “amigas do PS”. (…) A posição do não levantamento da imunidade tinha o apoio do BE e do PCP, apesar de a própria Ana Paula Vitorino ter dado a indicação de que a sua imunidade poderia ser retirada. Ontem, o PSD surpreendeu a sala e defendeu o levantamento da imunidade, o que levou o CDS a pedir um adiamento da votação.(…)»

Que pequenino e imberbe tudo isto me parece hoje! A história de Ana Paula Vitorino ter dito que ouviu Mário Lino dizer que as empresas de Manuel Godinho eram «amigas do PS», motivo que levou o ex-ministro a mover-lhe um processo por difamação, terá hoje alguma importância perante as autênticas negociatas, compadrios, contratações e pagamento de favores que este governo faz às escâncaras?

É esta a renovação do Bloco?

João Semedo, o futuro co-líder do Bloco de Esquerda, deu ontem uma entrevista a Paulo Magalhães, na TVI24. Foi um tanto deprimente. Em primeiro lugar, João Semedo nenhuma novidade representa. Pelo contrário. É mais um Louçã sem a sua acutilância. Durante largos minutos não consegue justificar de maneira minimamente convincente a liderança bicéfala. Responde com o modernismo e a inovação e a sintonia ideológica existente entre os dois e fica-se por aí. A insistência nas duas cabeças, que tornaria muito complicada a definição de um primeiro-ministro no caso de o partido ganhar umas eleições, deixa desde logo claro que o objetivo é a prossecução da prática habitual de protesto e denúncias, sem outra ambição, nem a que seria a ambição mínima de integrar um governo.

Transparece no seu discurso o recém-descoberto orgulho num partido irmão, grande tábua de salvação, já assumido por Louçã. Mas diga-se que, para quem pretende imitar o Syriza, a imitação é deficiente e a estratégia muito pouco ambiciosa. Ao que se sabe, Tsipras não partilha a “coordenação” com ninguém. Além disso, é por demais evidente que tentar repetir em Portugal o sucesso do Syriza, como se a realidade social e política de Portugal e da Grécia fosse idêntica, é não só pouco inteligente, porque artificial, como também sintoma de vazio e desorientação. Se por mais não fosse, o PS não se encontra de modo algum na posição do PASOK.

Depois, o radicalismo, que, francamente, não assenta nada bem a Semedo, mas que, como líder designado por Louçã, terá de assumir. Louçã caiu num caldeirão de radical-trotskismo quando tinha 14 anos e a impregnação foi profunda. Já não lhe passa. Mas Semedo? Semedo até abandonou o PCP em 2002! Diz ele que a clivagem entre a esquerda e a direita está no posicionamento em relação à Troika. Entende que (e diz isto sem se rir), quem romper com a Troika é de esquerda, quem não romper é de direita. E o mundo é simples e a vida sorri. Que um jovem Tsipras diga tais coisas e acrescente que quer manter o euro compreende-se. Que um homem da idade e com o aspeto certinho de Semedo as diga já soa algo patético. Não lhe perguntou o jornalista, e foi pena, onde iria o Bloco financiar-se para que o país sobrevivesse e onde começariam e acabariam as nacionalizações.

Muita gente do Bloco sonha ainda com a revolução, aquela em que se pega em armas e se desfraldam bandeiras ao vento para a posteridade e uma imaginária fotografia. Na realidade, o agrupamento pouca representatividade tem hoje no panorama eleitoral. A importância que é dada a estas cabeças alucinadas decorre apenas e tão só da sua utilidade para a direita, dado o objetivo declarado de cindir o PS. A oportunidade é, evidentemente, aproveitada e o tempo de antena preenchido ora com acusações a quem governa ora com um discurso justicialista, moralista e de boas intenções vagas, cujo detalhe nunca ninguém deseja aprofundar, por calculismo ou compaixão.

Desculpem a pergunta

Para que serviu todo este programa da Troika, se a conclusão a que parecem chegar agora, segundo Miguel Frasquilho, é de que “o programa seja adaptado às condições da economia e à evolução que a economia tem tido desde que o memorando foi assinado” (má, muito má mesmo)? Mas não era precisamente isso que o governo anterior pretendia ANTES de se ver obrigado a formular o pedido de empréstimo, cujas condições já adivinhava catastróficas? Que os ajustamentos e o saneamento das contas púbicas se fizessem gradualmente, tendo em conta a economia do país? Agora que se destruiu grande parte do tecido produtivo, se mandaram milhares para o desemprego devido ao fecho de empresas após a redução do poder de compra e se degradaram as condições de ensino de modo a comprometer a futura qualificação, formação e cultura dos portugueses e, além do mais, se agravou a dívida é que se vai proceder às adaptações às condições da economia? Qual economia? Não havia já economia antes de 2011?

Todo este fiasco era previsível e, mais do que previsível, era sabido de antemão. Sejam estes propósitos agora verbalizados pelo deputado do PSD verdadeiros ou mais uma aldrabice para permitir que o programa prossiga no sentido do da Grécia, estamos ou perante incompetentes ou perante hipócritas, mais provavelmente perante criminosos.

Senhor Klaus Regling: “Nem a Alemanha”

Em entrevista a publicar amanhã, o alemão que preside ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) afirma que, sem o Fundo, Portugal e a Irlanda já não estariam na zona euro. OK, Klaus, não presides ao fundo de promoção da apanha da azeitona e a tua função é importante. Vida longa a Klaus Regling!

Mas, embora desconhecendo o contexto em que tais palavras foram proferidas, não posso deixar de observar que este tipo de afirmações espera normalmente uma resposta dos supostos prevaricadores do género – “Eternamente agradecidos pela bondade de Vossa Excelência. Muito obrigados. Bem haja. Deus lhe pague”.

Ora, todos sabemos, olhando para o caso da Grécia e para as hesitações e receios dos dirigentes europeus, com destaque para os alemães, no que respeita à saída do país da zona euro, que a criação do referido fundo e a ajuda aos países vítimas da especulação visa sobretudo evitar males maiores (como os custos de uma crise humanitária ao estilo de África, ou, no caso concreto da Grécia, a sua perda e a dos Balcãs para a esfera russa), o efeito dominó e uma descida (já estudada) do PIB alemão e de outros países do Norte em largos pontos percentuais. Não visa propriamente a prática da caridade e muito menos da solidariedade. Assim sendo, e a ser assim, Regling prova ser mais um que está convencido que fala para mentecaptos e que perde facilmente, como alguns compatriotas seus, oportunidades para estar calado. Não ajuda. Crispa.

É muito provável que os dois países já não se aguentassem nem aguentassem o euro (moeda forte) sem os empréstimos desse fundo (presumo que a Grécia, para este senhor, pelo menos na sua cabeça, já saiu). Mas a Alemanha também já não estaria nada bem e possivelmente nem euro haveria. Poupem-nos.

“Up yours!”, Paulo Rangel

Impostores sem credibilidade alguma.

«O eurodeputado Paulo Rangel considera que, neste momento, Portugal “tem uma credibilidade externa que lhe permite ser visto e compreendido pelos responsáveis pelo programa de financiamento de forma diferente daquela com que era visto em 2011”. »

Agora em francês: “Tiens!”

Insinua Rangel que, em 2011, presume-se que no primeiro semestre, claro, o governo português de então, esbanjador e sem tino, desrespeitava sistematicamente os programas de contenção orçamental e que a irresponsabilidade era tanta que o país perdeu a credibilidade (presume-se que a perda já vinha a acontecer desde 2005), não tendo os credores outro remédio senão fechar a torneira e pôr ordem no recreio, tal o desvario de gastos. Ora, quem melhor do que os estarolas da São Caetano, mancomunados com os patos bavos deste país e tranquilos com o estatuto de Vítor Gaspar, para a árdua missão, não é, Paulo Rangel? Agora sim. Com um milhão de desempregados, uma diminuição acentuada dos rendimentos das famílias, a fuga dos portugueses mais qualificados, a subida generalizada dos impostos e, apesar disso, uma quebra colossal na receita fiscal, tão colossal que a meta do défice não será cumprida, e ainda o agravamento da dívida muito para lá do esperado, a credibilidade é total. Somos finalmente credíveis! Não vamos reestruturar a dívida como os gregos nem desrespeitar as metas como eles nem adotar novas medidas de austeridade que agravarão a recessão. Nada. Somos credíveis, assistidos mas credíveis. Ou credíveis porque assistidos? A virtude que Paulo Rangel vê nesta situação escapa-me.

Pois bem, Portugal era um país totalmente credível em Março de 2011. Tão credível que a União Europeia aprovou o quarto plano de estabilidade do governo Sócrates e declarou-se disposta a apoiar o país por todos os meios de modo a que não seguisse o caminho da Grécia e se colocasse aqui uma barreira no dominó de países sujeitos a tombar. Quem destruiu a chamada credibilidade foi a oposição com o chumbo do referido plano e a instabilidade política criada antes disso, que se traduziu, por exemplo, no chumbo de toda e qualquer medida de contenção orçamental (recordo apenas o corte das transferências para a Madeira, a reforma da carreira docente, a subida do IVA para produtos excessivamente calóricos, como o leite achocolatado, mas o peru do festim foi muito mais recheado).

O que falta a esta gente para ser, ao menos, um pouco honesta? Porque não diz Paulo Rangel, um homem que se assume católico, que as condições em que Sócrates governou a partir de 2009, em minoria na Assembleia, sem coligação nem acordos de governo e sem o apoio de Cavaco, o principal urdidor do plano de assalto ao poder do PSD, tornou a redução da despesa literalmente impossível? E que tudo se deteriorou após o chumbo do PEC 4?

A única credibilidade do país neste momento em que todos os indicadores económicos se agravaram, com exceção das importações, que diminuíram, mas pelos maus motivos, ou seja, porque não há poder de compra, é a inventada por pessoas como Rangel e seus correligionários e sustentada pela Troika, que não tem qualquer interesse em reconhecer o fiasco do seu programa. Um programa que, convém referir, o primeiro-ministro assumiu como seu. O regresso aos mercados e a dispensa da Troika só será possível depois de uma reviravolta na política europeia e no papel do BCE, que era por onde se devia ter começado, poupando-nos a este triste espetáculo do Relvas e companhia, cuja única missão, essa sim, é entregar grandes empresas aos amigos e depressa, antes que o vento mude e os negócios fujam.

Os limites das lentidões

Não simpatizo com Mariano Rajoy. Preside a um governo de direita em que pontuam personagens ligados ao setor mais conservador da Igreja católica e herdeiros do franquismo, que, em matéria social, por exemplo, querem fazer inverter certas políticas relativas às mulheres. A sua figura também não suscita qualquer empatia e personifica o oposto de um político mobilizador. Mas compreendo o homem e a sua reação perante o aperto em que o país se encontra atualmente: protela por todos os meios um pedido oficial de resgate, nos termos por nós amargamente conhecidos, e joga os seus trunfos.

Plenamente consciente do peso da Espanha na moeda única, começou por um desafiante, embora desajeitado, “mãos ao ar senão eu mato-me” (numa expressão feliz de Braga de Macedo), dirigido à Alemanha e às instituições europeias, prosseguiu depois para negociações bem sucedidas sobre uma ajuda exclusivamente à banca, que acelerou a criação de uma união bancária a nível europeu, e, apostado em que o BCE, com um italiano na presidência, aceda a desafiar o Bundesbank e Merkel em defesa da própria Itália, aguarda o resultado das pressões, demográficas e diplomáticas e outras (apoio de Hollande), que lhe pouparão a humilhação da vinda da tenebrosa Troika (sim, só alucinados como Passos, Mira Amaral ou Gaspar a veem como uma brisa retemperadora com poderes redentores). O que é certo é que não só as yields pedidas pela compra de dívida espanhola, embora altas, deixaram de subir, como também Mario Draghi já ousou publicar anteontem no jornal alemão Die Zeit um artigo expondo claramente e sem temor os seus pontos de vista, discordantes dos do Banco Central alemão, sobre o papel do BCE na atual crise. Não deixando de lembrar, como convém, os benefícios para a própria Alemanha de uma mudança na estrutura do euro (“A new architecture for the euro area is desirable to create sustained prosperity for all euro area countries, and especially for Germany. The root of Germany’s success is its deep integration into the European and world economies. To continue to prosper, Germany needs to remain an anchor of a strong currency, at the centre of a zone of monetary stability and in a dynamic and competitive euro area economy. Only a stronger economic and monetary union can provide this.”), Draghi defende, entre as linhas, a intervenção do BCE nos mercados da dívida de modo a aliviar a pressão sobre alguns países, embora apelide a medida de excecional. Lembra os objetivos de paz e prosperidade que estão na origem do projeto europeu. Aponta os defeitos da criação de uma moeda sem Estado e a sua relação com o desejo de soberania dos diversos países e, desejando embora uma maior integração económica, entende não ser altura para decisões forçadas de federalismo, como parece pretender Angela Merkel com a ideia de um novo Tratado, nem, ao invés, um recuo ou abandono do projeto europeu com a exclusão de certos países. Eis o excerto final: “Yet it should be understood that fulfilling our mandate sometimes requires us to go beyond standard monetary policy tools. When markets are fragmented or influenced by irrational fears, our monetary policy signals do not reach citizens evenly across the euro area. We have to fix such blockages to ensure a single monetary policy and therefore price stability for all euro area citizens. This may at times require exceptional measures. But this is our responsibility as the central bank of the euro area as a whole.
(…) The banknotes that we issue bear the European flag and are a powerful symbol of European identity.
Those who want to go back to the past misunderstand the significance of the euro. Those who claim only a full federation can be sustainable set the bar too high. What we need is a gradual and structured effort to complete EMU. This would finally give the euro the stable foundations it deserves. It would fully achieve the ultimate goals for which the Union and the euro were founded: stability, prosperity and peace. We know this is what the people in Europe, and in Germany, aspire to.”

Um passo importante para o isolamento da Alemanha na sua ortodoxia austeritária e para a revisão do papel do BCE? É cedo para o sabermos, mas o desafio está lançado. E, hoje, já o presidente do banco central alemão ameaça demitir-se com fundamento nas discordâncias.(Este senhor, Weidmann, é o que considerou há dias que o programa de compra de dívida pública pelo BCE poderá ser “viciante como uma droga”).
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Cínico e, como sempre, malcriado

Uns eram piegas, outros agora são histéricos. Relvas e Borges decidiram interromper ou, sabe-se lá, dar por concluído o estudo da operação “prenda de Natal”, acreditando terem chegado a uma brilhante solução que quiseram de imediato partilhar com os portugueses. Passos Coelho manda António Borges revelar publicamente, com o desconhecimento do seu próprio parceiro de coligação, a proposta “interessante e atraente” de concessão do serviço público de rádio e televisão a um privado, e, perante as legítimas reações adversas de pessoas esclarecidas num Estado democrático, acusa-as de histerismo e de precipitação, dada a inexistência de uma decisão? Se não sabem o que vão fazer, porque falam?

Vejamos então o que seriam reações não histéricas.

1. “Ótima ideia. Só peca por tardia. Que interessam as regiões, as comuniddades internacionais e a cultura portuguesa?” (Mário Soares)

2. “Totalmente legítima e constitucional. Parece-me uma matéria muitíssimo bem estudada em todas as suas implicações”. (Adriano Moreira)

3. “Há toda a legitimidade em atribuir ao novo concessionário as contribuições para o setor audiovisual, assim como um rendimento garantido. A nós, chegam-nos perfeitamente as receitas da publicidade, que, aliás, não importamos de dividir com a concorrência nesta época de pujança económica”. (Pinto Balsemão)

4. “Sim, concordamos. O nosso empenho no saneamento da empresa não produziu quaisquer resultados. Somos incompetentes. Sabíamos que a manutenção do serviço público nas mãos do Estado só faria sentido com prejuízos.” (Administração da RTP)

5. “O doutor António Borges fez bem em substituir-se a Miguel Relvas. O ministro tem que ser poupado a mais insultos. Já sofreu o suficiente e injustamente.” (Miguel Sousa Tavares)

6. “Não temos dúvidas de que o senhor presidente da República está informado e subscreve a proposta, caso contrário não teria sido verbalizada. Ele sempre foi contra a existência de canais públicos”. (Partidos da oposição)

7. “O doutor António Borges é a pessoa mais habilitada para transmitir as decisões do Governo. Não é ministro, mas ganha mais do que qualquer deles. Essa é a garantia de que sabe o que anda a fazer.” (António Pedro Vasconcelos)

Não disseram isto. São histéricos. Que tal indignados ou tão só incomodados com os vossos esquemas, radicalismo e, hoje mesmo, cinismo?