Blogues que marcam

O recente post do Luis faz-me antecipar uma reflexão que, no meu ritmo de tartaruga dos Galápagos, tinha previsto introduzir lá para 2016. Refiro-me à ambiguidade intrínseca, e irresolúvel, dos blogues enquanto objectos mediáticos entalados entre o angelismo de se sonharem órgãos de imprensa e a bestialidade de se saberem voluntarismo e aleatoriedade.

Uma parte do que o Luis escreve é expressão da sua pessoa e respectiva weltanschauung; logo, é matéria que apenas diz respeito a quem se identifica com os parâmetros ideológicos assinalados. Mas o restante, aquilo que manifesta uma concepção do que deve ser um blogue, suscita-me a crítica. De facto, e servindo-me do exemplo, ninguém no Aspirina tinha assinalado o 1º (e último?…) aniversário. Há boas razões para tal, a começar pelo facto de todos os seus membros fundadores, de uma forma ou de outra, terem debandado. Uns saíram, outros ausentaram-se, outros afastaram-se. Contudo, haveria ainda uma melhor razão, boicotada bondosa e involuntariamente pelo Luis: não haver nada para celebrar. E não me refiro particularmente ao Aspirina, que não precisa dos meus encómios. Não há nada para celebrar na quase totalidade dos blogues, eis a realidade. Que eu conheça, só o Abrupto mereceria aniversários e foguetes, tão distinto e profícuo é o produto que oferece à populaça. Mas o resto?!… Não há mérito nenhum em emitir opiniões ou em fazer uns malabarismos literários — ainda por cima usualmente banais, quando não pífios. O mundo não carece de mais opiniões ordinárias, desconfio.


Donde, a minha interrogação: que falta fazem os blogues? Resposta: a falta que eles me fazem. É só na esfera do consumo privado, de informação ou lazer, que a blogosfera é relevante, pois quanto a revoluções culturais e tomadas do poder em 10 dias estamos conversados. Essa humildade, que me parece antídoto contra patologias de auto-importância, não deve impedir um reconhecimento do potencial comunitário que a tecnologia permite. É possível juntar uma audiência que, pelas suas características sociológicas, seja motor de pressão em questões pontuais ou, tão-somente, e já seria raro, um grupo de partilha de talentos, projectos e cuidados que se prolongue no tempo. Só que ninguém sabe como o conseguir, pois (felizmente!) não há fórmulas.

Também estranho que o pessoal da blogosfera, e que não começou ontem, malbarate as lições já instituídas do que promove o sucesso em canal Web. Assumindo que os animadores de blogues almejam freguesia, donde vem a pulsão autofágica que os leva a criarem marcas e depois a desbaratá-las por completo? É tudo puro narcisismo, tem de se concluir. Julgam-se o meio e a mensagem, acabando a aumentar o ruído. Para quem escreve, qualquer novo projecto é uma animação, pois o envolvimento afectivo chega e sobra para o gasto. Mas essa mesma energia emocional leva os autores mais militantes a um frenesim de enterros e ressurreições. No caso de projectos individuais a tentação é enciclopédica, cobrindo nichos de especialidade ou inventando blogues a la carte. No caso de projectos de grupo, e por os laços que unem os participantes estarem na única e exclusiva dependência da centrífuga liberdade individual, o desfecho tem sido invariavelmente o rápido (ou lento) perecimento. Qual o prejuízo disto? Apenas um, o dos leitores que precisam de objectos estáveis para com eles se relacionarem. Aqui entram as lições, que começam por ser gráficas. Sites como o Google, Amazon ou IMDB, fazem da constância e simplicidade regras de ouro do seu ambiente. Se mudassem de personalidade visual, causariam mal-estar e poderiam perder clientela. Ora, muito maior desperdício é o abandono de uma marca, a qual se tinha valorizado ao ponto de ter rompido o anonimato e a indiferença. Os exemplos que conheço melhor são o BdE e Barnabé, os quais — e até por razões históricas — eram referências que representavam toda a blogosfera portuguesa. Independentemente das razões pessoais dos seus responsáveis, a questão permanece: existia um número altamente significativo de habitantes nesses espaços. Ter continuado com eles, mesmo que com outros elencos redactoriais, teria sido um serviço à comunidade. Estar constantemente numa relação neurótica que repete o estribilho de a relva do vizinho ser mais verde do que a nossa, aparece-me como vanglória.

Não me apanham a carpir por causa da falência do esquerdismo blogosférico, nem me encontram a rejubilar com a vitalidade dos blogues da direita. Isso, sim, me parece coisa de velhos. E com a vida sempre original a cada instante, anseio é por novas ideologias, ainda por inventar, que me façam descolar as partes da cadeira e correr pela cidade.

19 thoughts on “Blogues que marcam”

  1. Efectivamente. Nunca entendi muito bem o afã em celebrar dozes meses, vinte e quatro meses, trinta e seis meses, de vida de escrita num sítio na Rede.

    Suspeito que na maioria esmagadora dos casos, quem escreve na net ( nos quais me incluo), o faz em part-time, sendo que o timing da participação, muitas vezes, é suscitado pelo aparecimento de notícias nos media em geral.
    A quantidade e qualidade da participação em blogs depende muito do tempo disponível e do interesse em dispor do mesmo.
    Há quem se pele por uma boa refrega em modo escrito e aprecio essa qualidade rara que de vez em quando aflora ( aflorou uma vez no Gato Fedorento, com uma polémica que estalou entre RAP e um dos colunistas infames, salvo erro).
    Há quem gaste horas a fio a ler e a navegar. Há quem perca horas a fio a escrever banalidades e há quem aproveite minutos para despejar sacos de irrelevâncias, como é o meu caso, agora.

  2. É a isto que eu chamo um belo naco de prosa, pá.
    E são estes rasgos que me agarram à blogosfera e me fazem acreditar que as tais ideologias novas podem muito bem germinar neste meio.
    Obrigado por me proporcionares este momento.
    E ainda por cima de borla…

  3. Valupi,

    A tua pose de Simão o estilita, vogando em perfeita ataraxia 20 metros acima das rasteiras paixões do bicho homem, derrete-se ao primeiro golpe de Sol. O que só te favorece, aliás. Vê bem como te deixas salpicar por alguns entusiasmos meramente humanos: os blogues não deveriam comemorar (ou sequer mencionar, como foi aqui o caso) os seus aniversários; a não ser aquele de que gostas, claro. Este, assim o decreta o teu gosto, é diferente, logo sujeito a outras regras.
    Depois declaras que “o mundo não carece de mais opiniões ordinárias”, apenas para remeteres o interesse e o valor da blogolândia para uma intangível “esfera do consumo privado”. Como se o tal distante “mundo” fosse mais do que uma acumulação dessas pequeninas “esferas”.
    Postulas ainda que só no campo da “informação ou lazer” é que um blogue poderá interessar a alguém, apesar de pouco antes te queixares da banalidade confrangedora dos textos blogosféricos. Isto apenas, palpita-me, porque são essas as áreas que te interessam. Declaras-te alheio à política, logo nem vale a pena escrever-se mais sobre tais temas manhosos. Pronto.
    Para o fim fica o marketing. Acertas em cheio quando escreves que “desperdício é o abandono de uma marca”; Mas olha que deverias compreender melhor a tal “pulsão autofágica”, dado seres também, comigo e com os nossos demais comparsas, presente actor de um desses processos de derrelicção de uma pequena “marca”.
    Quanto às questões da “velha” política e dos seus reflexos por estes cantos virtuais, só te peço uma coisa: avisa-me quando lobrigares (sim, António) essas tais “novas ideologias” por aí às cabriolas. Até lá, desculpa a fraqueza destes pobres diabos que se entretêm com o que há. E diverte-te com quem imagina que elas podem “germinar” por estas bandas…

  4. estás perdoado pela ausência prolongada, ó tartaruga dos galápagos. acrescento que os blogs servem sobretudo aos próprios, os que escrevem. vá-se lá saber porquê, todos gostam de falar e de serem ouvidos. por isso faz todo o sentido que se dêem os parabéns a si mesmos.

  5. Quando um dia se fizer (ah, se um dia se fizesse) uma Antologia da bloguítica portuguesa, este «post» do Valupi merecerá (pois, mereceria) estar lá. Como em todos os textos bem sucedidos, parece que «tudo» está nele dito. Isto, que é tremendamente eufórico e tremendamente frustrante, é o fado de todos os textos clássicos. Tão perfeitos são, que a morte, uma parte da morte de tudo, vem já trazida por eles.

    Mas o Aspirina não é sacrário nem sarcófago. É um trabalho «in going», se o meu inglês confere. Havemos de superar este Valupi. O que acontecerá já no próximo… Valupi, que terá digerido o que agora se nos serviu.

    De Valupi em Valupi se vai vivendo. Com o embalo das tartarugas. Ou a circunspecção das gazelas.

  6. sim, «in progress». »in going» ou «on going» estão incorrectas. posso dizer «there’s no point in going to the beach while it’s raining», mas de «on going» não estou a ver sequer uma aplicação.

  7. Tá visto, «in progress» era mesmo o que se pretendia. O tal «in fieri», dum imperialismo antigo.

    Agradeço, Luis e Susana.

  8. Este gajo está obviamente a falar dele. Já não é mau. Para inconsciente já basta a prosa refinadíssima: “Refiro-me à ambiguidade intrínseca, e irresolúvel, dos blogues enquanto objectos mediáticos entalados entre o angelismo de se sonharem órgãos de imprensa e a bestialidade de se saberem voluntarismo e aleatoriedade.” ambiguidade intrínseca, porque, claro, poder-se-ia dar o caso de não ser constitutivo, coisa outra, como o quê? pois se o homem se nos apresenta o axioma todo enfeitado, ajaezado como os burros com o irresolúvel por cima. Está a falar do que sabe, do que escreve, do seu blogue e aproveita, olha para o lado e diz: somos tantos intrinsecamente ambíguos quando podíamos ser óbvios e talvez, porque não, ululantes. E por aqui me fico que o resto cansa. como é mesmo o teu nome? valupi lopes da silva. Aprende a escrever com o Venâncio. Desculpa. Aprende a escrever sozinho porque em grupo estás tramado. o Silva agora trabalha, o Venâncio tem dores nas cruzes, dos outros que sabemos nós? Nada. e de ti, queremos de ti a bondade das palavras e este momento de poesia, versos que nos salvam. Ah, poetaço:
    anseio
    é
    por novas
    ideologias,
    ainda por inventar,
    que me façam
    descolar as partes
    das cadeiras (refiro-me aos quadris, claro!)
    e correr
    pela cidade.

  9. “sim, «in progress». »in going» ou «on going» estão incorrectas. posso dizer «there’s no point in going to the beach while it’s raining», mas de «on going» não estou a ver sequer uma aplicação.”

    Pois mea culpa nao e “on going” mas sim “ongoing”, uma so palavra.

    [http]://www.future-perfect.co.uk/grammartips/grammar-tip-ongoing.asp

    E sim, “in progress” tambem e apropriado.

  10. Ó Valupi-Anda-Pra-Casa,

    E se o Valupi «Lopes da Silva» estivesse mesmo a fazer o seu, dele, auto-retrato? Isso perturba-te muito? Desorienta-te, dá-te um acesso de insegurança, põe-te… ululante por dentro? Isso sucede sempre que alguém se nos mostra vulnerável…

    Aguenta, pois, a parada. São momentos, como dizer, basto formativos.

    E não tomo – entende-me bem – em cima as dores do homem. Nem ele, mais velho nestas coisas, precisaria. Além de que, na escrita, é mestre. Não te custava reconhecer.

  11. Venâncio, caro não custa reconhecer, contigo é de borla. Escreves pro bono e prà malta, meu grande pai de todos os valupis do mundo. Eu mesmo valupi, pai Venâncio que estais no céu a responder tonitruante a todo o valupi que há em nós, pecadores, louvada seja a tua pachorra que também a ti não te custava nada reconhecer, é digna de um Santo Senhor, de um pobre fernando de franja ao vento, sotaina madraça ao lado. Agradecido pela tua sempre presente atenção mal pressentes que alguém anda na vadiagem a gozar com o humano, basto formativo, mestre da escrita. O incomparável Valupi, seja ele quem for, nem que que sejas tu. Desculpa. Não torno a abusar da minha perturbação. Ó homem, aquilo não era para levar a sério, quanto mais a peito. Era para nada, uma reles brincadeira. E agora, sim. O que é que te custava reconher a coisa em silêncio? Passa para cá o teu NIB que te faço já a transferência: 60 euros para ti e -60 para mim.

  12. Valupi-de-casa-em-casa,

    Realmente faziam-me jeito – nem tu sabes – os 60 pacotinhos. Mas não posso dar-te o NIB, sob pena de levar com transferências abusivas de outros admiradores. E de ficar rico com problemas de consciência, coisa que suponho rara.

    [De passagem, e por casa das tosses: o Valupi não sou eu.]

    De facto, eu devia ter-me calado, e responder-te, educadamente, eloquentemente, com o silêncio. Mas senti-me chamado à palavra (estás a ver como a tua deriva cristã é contagiosa), não para defender quem não precisa, mas por ver-me citado, mesmo que em suposto elogio.

    Enfim, simplifiquemos. Dá tu – no espírito da quadra – esses tostões aos pobres. A outros pobres. Vais ver que uma estrela te pisca lá de cima.

  13. Ah, Fernando, só a tua (a caminho de se tornar mítica) generosidade para ser alimento da vagabundagem que passa.

    Sorte a dela, sorte a nossa e sorte a minha.

  14. Pronto, pronto. Eu prometo que só volto a mudar o endereço do Adufe… quando me apetecer :-)

    Já não pode uma pessoa alugar uma casa e ir vendo novas vistas quando lhe apetecer. Esta agora. Os amigos sabem sempre onde ir cravarum jantarinho e beber um copo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *