A RTP, da última vez que consultei a Wikipedia, ainda era uma rede de televisão pública. Então, veja-se como João Adelino Faria abriu um espaço de comentário para discutir o despacho de pronúncia de Ivo Rosa, no dia 11 de Abril – A análise dos temas que marcaram a semana. As suas afirmações “cresce a indignação e a revolta na sociedade portuguesa” e “a sociedade portuguesa já fez o seu próprio julgamento” não são matéria informativa mas de opinião e de agitprop. E opinião sectária e manipuladora, posto que molda as declarações dos comentadores dirigindo-as para uma posição já estabelecida à partida. Qual a relação entre este editorialismo com agenda política e a noção de serviço público? Nenhuma de nenhuma, é a sua perversão mesma.
14 minutos depois, após ter mentido sobre os factos da Operação Marquês e de ter achincalhado Ivo Rosa, o nosso Maduro saiu-se com uma avaria de efeito sonoro: “Há estudos que indicam que 18 mil milhões de euros é quanto Portugal perde anualmente pela corrupção. É mais do que vamos receber em 15 anos com o programa de Recuperação e Resiliência da União Europeia.” Face a esta revelação, o extraordinário jornalista altifalante dos justiceiros carimbou com “Serve de reflexão“. E serve, olá se serve.
Por exemplo, podíamos reflectir sobre o silêncio do Pedro Adão e Silva perante a bojarda dos 18 mil milhões, só que tal não seria justo pois ele foi apanhado já com a declaração final engatilhada e não teve condições cognitivas para ripostar (é a minha hipótese benigna). Pelo que o mais proveitoso será levar a reflexão para a origem desse número, primeiro, e para o que ele significa quando utilizado pelo Poiares Maduro, na conclusão.
Quanto à origem, creio podermos afirmar ser este o único blogue no universo e arredores onde o assunto foi analisado. Graças ao Júlio + Júlio (e seguintes), ficamos a saber donde dizem vir o número. Quanto ao que significa quando esse número aparece na boca de um passarão do PSD, e fazendo o esforço de imaginar que ele acredita no que está a dizer, eis um pequeno exercício de reflexão:
– Significa que, a 18 mil milhões por ano, desde que começou a Operação Marquês (2013) o Estado deixou fugir 126 mil milhões de euros (144 no final de 2021).
– Significa que, caso o País passasse a recuperar 18 mil milhões de euros ano por cima das suas receitas, a pobreza seria erradicada e o Serviço Nacional de Saúde poderia ser o melhor do Mundo e totalmente gratuito, para começo de conversa sobre o que fazer ao carcanhol.
– Significa que, a ser verdade o que o Poiares Maduro disse na nossa querida RTP, fazia algum sentido ir buscar esse dinheiro, ou que fosse metade, ou que fosse um décimo, ou um centésimo que fosse.
– Significa que, graças ao Poiares Maduro conhecedor de “estudos” a respeito, ficamos a saber que o Ministério Público conduzido pela implacável Joana Marques Vidal foi confrontado com o seguinte dilema: vamos combater a corrupção dos 18 mil milhões de euros garantidamente roubados pela malandragem a cada 12 meses, e recuperar o que pudermos em nome do Estado e para benefício da população, ou bute montar a mãe de todas as equipas de investigação, gastar milhões de euros e de horas, para ir atrás do que não fazemos puto ideia se é corrupção e que no máximo vai dar a uma historieta sobre uns 20 milhões que não há forma de provar que sejam de um certo Sócrates. A santa do “fim da impunidade” considerou mais interessante, quiçá mais giro, deixar os 18 mil milhões vezes X continuarem a ser gamados e optou pela caçada ao animal feroz.
Pelo que nem 18 mil milhões de Poiares Maduro conseguiriam esconder esta evidência: há fortes indícios de que os entusiastas do auto-de-fé a Sócrates não são os mesmos que nos poderão ajudar a ir buscar o que está a ser desviado do nosso presente e do nosso futuro.